14-12-2024 às 08h00
Sérgio Augusto Vicente
No último dia 30 de novembro, Antônio Carlos Duarte lançou o livro “Juiz de Fora Imperial”. O lançamento aconteceu em um histórico prédio inaugurado na segunda metade do século XIX, conhecido como Fórum Barbosa Lima, onde está sediada a Câmara de Vereadores do município. Foi nessa mesma edificação que os confrades da Academia Mineira de Letras, fundada em 1909, também se reuniam, no período em que Juiz de Fora lhe serviu de sede (1909-1914).
O autor é arquiteto e urbanista, formado em 1969 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Interessado por arte, arquitetura e história desde a mais tenra idade, Antônio Carlos se lembra de, ainda criança, “reproduzir no papel os prédios modernistas da lagoa da Pampulha, projetados por Oscar Niemeyer e que eram capas de cadernos escolares”. Recorda-se, ainda, do amplo quintal de sua casa em Barbacena, onde, entre laranjeiras, abacateiros e parreiras de uvas, unido aos irmãos, moldava em caixas de fósforo tijolos cerâmicos, com os quais construía cidades em miniatura: igrejas, praças, pequenas casas ou sobrados. O autor ainda destaca que, ao cursar o antigo ginásio em Petrópolis, nos anos 50, chamava-lhe atenção o fato de, naquele momento, “a cidade e arredores estarem pontilhados de residências projetadas por Niemeyer, Sérgio Bernardes, Irmãos Roberto, Affonso Reidy, Francisco Bolonha”. Aos 11 anos de idade, relata que teve a “oportunidade de conhecer o grandioso jardim projetado por Burle Marx para a residência de Odete Monteiro, em Correias”, para onde retornou em diversas outras oportunidades na fase adulta. Outro aspecto importante da formação de seu interesse pela história, artes e arquitetura foi seu contato com o Museu Imperial, no qual seu professor de latim, português e inglês, Gerardo Câmara, foi servidor. Também não fica de fora de suas memórias afetivas a elegante e grandiosa Catedral de São Pedro de Alcântara, durante as solenidades da Semana Santa, que contava com a presença da família imperial: Dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança e a esposa Dona Esperanza, acompanhados de seus “pimpolhos”. Isso tudo era, para ele, “a história viva”.
Em Barbacena, cursou o colegial, oportunidade em que teve professores interessados em história e arte moderna – alguns deles com relacionamento com o pintor Emeric Marcier. À essa época, Antônio Carlos organizava excursões de colegiais para cidades históricas e seus museus.
Outra faceta de Duarte é a paixão pela pintura. Iniciou-se na pintura de telas ao ar livre, especialmente natureza morta e retratos, com o juizforano Silvio Aragão, então residente na cidade.
No Rio de Janeiro, cursou a faculdade, contou com excelentes professores e teve a oportunidade de “conhecer a variada arquitetura da cidade e seus grandiosos museus”. Relembra enfaticamente das “velhas mansões de Botafogo”, onde presenciou diversos leilões de artes e antiguidades.
No campo profissional, atuou durante 30 anos como empresário da construção civil. Uma de suas obras mais importantes foi a do prédio do Banco do Brasil, na rua Halfeld, onde, além de construtor, fez trabalho de arqueólogo: “resgatei, aproximadamente a dois metros de profundidade, antigos recipientes de vidro e fragmentos de peças de porcelanas azuis, inglesas, do século XIX”. Esse assunto se tornou, inclusive, matéria do jornal “Tribuna de Minas”. As peças foram recebidas e preservadas no Arquivo Municipal pelo historiador Antônio Henrique. Tamanha sensibilidade se deve ao seu profundo gosto, interesse e amor pela história de Juiz de Fora.
No final dos anos 1980, foi Diretor Geral do IPPLAN (Instituto de Pesquisa e Planejamento da Prefeitura de Juiz de Fora), cargo no qual procurou humanizar a área central da cidade com implantação de mesinhas de bar, feira de flores e apresentação de artistas e músicos na escadaria do Cine Theatro Central. Também se lembra, com orgulho, de ter sido responsável pelo tombamento do Parque Halfeld e do Morro do Cristo ou Imperador e de ter proposto a transformação da antiga e desativada Fábrica Santa Cruz em shopping center. Ademais, cuidou do plantio de árvores em vias da cidade e deu início ao Plano Diretor.
Antônio Carlos é, também, alentado colecionador. Em março de 2024, participou da inauguração da Galeria Angelo Bigi no Cine-Teatro Central (UFJF), doando à UFJF e à cidade telas de autoria do artista italiano e juiz-forano, que foi responsável pela confecção das extensas e admiradas pinturas parietais do teto do referido teatro. Com essa doação, Antônio Carlos conferiu uma dimensão pública a uma parte de suas coleções.
Mas, além de arquiteto e colecionador, Duarte também escreve livros, apesar de confessar que jamais havia pensado nessa empreitada. Segundo ele, o impulso inicial para essa faceta de escritor se deu por intermédio da escritora/memorialista Rachel Jardim, que, residindo no Rio de Janeiro, foi por ele convidada a fazer um “tour” por Juiz de Fora, ocasião em que visitaram as edificações em estilo Art Déco da cidade. Como resultado desse convite, ela o “intimou” (palavras dele) a produzir um livro com os destaques dessa expressão arquitetônica. Depois dessa primeira exitosa experiência, engajou-se na escrita da segunda obra – “Arquitetura Eclética: Juiz de Fora”. E não parou por aí. Logo veio o terceiro, intitulado “Arquitetura Moderna – Juiz de Fora”. Sem atribuir a um planejamento racional e cartesiano a materialização dessa trilogia, o autor mineiro prefere modestamente dizer que são “coisas da vida”…
E, assim, o arquiteto que nunca havia pensado em publicar livros acaba de nos brindar com “Juiz de Fora Imperial”, obra que ele considera ter nascido de uma proposta de um amigo, logo após o lançamento do seu primeiro livro: “Num primeiro momento, não dei maior atenção, mas… após o “Arquitetura Moderna – Juiz de Fora” (o último da trilogia), resolvi assumir a empreitada. Não imaginava a tamanha riqueza de Juiz de Fora no período. De repente, a boneca já estava com mais de 400 páginas e… tive de comprimir! A riqueza de documentos é enorme. Descobri imagens e informações inéditas”.
Tendo sido diretor do Museu Mariano Procópio por três mandatos, Antônio Carlos confessa que não se cansa de se surpreender com a riqueza do acervo da instituição, considerada custodiadora do segundo maior acervo imperial do Brasil e de peças de relevância nacional e internacional: “[…] por mais que se conheça, é sempre surpreendente!”. Entusiasta e fã de Alfredo Ferreira Lage, o responsável por doar o parque, o complexo arquitetônico e o numeroso e eclético acervo para a municipalidade, não se cansa de chamá-lo de “mecenas pioneiro, se não o maior do Brasil”, a quem dedicou o último livro. Faz questão de destacar que “coleções particulares também guardam peças de muito interesse para o período e para a história da cidade.”
Com esse livro, o arquiteto acredita que poderá “contribuir para tornar mais conhecido e valorizado o Museu Mariano Procópio e, consequentemente, a cidade de Juiz de Fora”.
Segundo ele, o último parágrafo da introdução de “Juiz de Fora Imperial” é um convite à leitura: “Que estas páginas possam contribuir para reflexão e debate, resgate e valoração de aspectos da história da cidade da várzea do Paraibuna e de seus liames com a história do Brasil. Vamos conhecer a cidade e, consequentemente, amá-la!”
Com seu jeito discreto e mineiro de ser, de humor contido, inteligente e gracioso, Antônio Carlos é daqueles de conversa valorosa, que demonstra conhecimento e erudição no convívio diário, não protocolar, com aquela prosa amiga tecida aqui e acolá. Seus livros são provas de muita sensibilidade, conhecimento e sabedoria maturados pela experiência de quem tem “olhos de ver” e ouvidos atentos.
Confrontando presente e passado, história e memória, poesia e técnica, textos e imagens, eles nos ensinam sobre o belo de maneira despretensiosa, alimentando a alma dos leitores com detalhes singelos que, no conjunto, conformam e performam o sublime e o grandioso das experiências humanas no espaço e no tempo.
Se você, leitora e leitor, quer conhecer e se deleitar com a história de Juiz de Fora através de sua arquitetura e de suas linguagens espaciais, leia “Juiz de Fora Imperial”. E não se esqueça também da memorável trilogia do autor.