A pressão de Trump contra a postura dos Brics, a saída do Reino Unido da UE, a oscilação da Alemanha, o crescimento da China e a luta dos Estados Unidos por sua hegemonia…
11-12-2024 às 09h43
Rogério Reis Devisate*
Donald Trump nem tomou posse. Mesmo assim, a sua vitória foi suficiente para que se resolvesse pendência que durava 25 anos, entre a União Europeia e Mercosul.
As negociações, do acordo comercial, concluído nessa semana, foram iniciadas quando o Euro foi introduzido como moeda comum na Europa, em 2019. Desde então, ocorre esse namoro entre países europeus e sul-americanos, sob a forma dos seus colegiados representativos, respectivamente a União Europeia e o Mercosul.
Nem sempre foi um namoro tranquilo. Houve rupturas temporais significativas, como exemplifica a suspensão por 6 anos, iniciada em 2004, quando dez países do Leste Europeu ingressaram na União Europeia.
A verdade é que os casamentos costumam ocorrer rapidamente quando os dois lados estão perdidamente apaixonados. O decurso dos 25 anos de negociação demonstra que não há paixão entre os consortes e que as discussões, que seguiam vagarosamente e sem previsão de sua concretização, foram concluídas diante do que já disse Donald Trump, que assumiu postura protecionista em prol dos Estados Unidos, o que, ao lado da força imensa que a votação enorme lhe confere, fez acender a luz vermelha e liberar a tensão acumulada entre a União Europeia e o Mercosul.
O início das conversas sobre esse acordo, lá em 2019, foi atropelado pela ascensão rápida e dominante do Oriente, com a China balançando o contexto. Isso fez que com os Estados Unidos e a China e Rússia travassem dura queda de braços pelo controle da produção, comércio e moeda, deixando os demais centros de poder político e econômico perdidos em relação ao seu papel e potencial. E, com os pesados reflexos dessa luta atingindo a poderosa Alemanha, força e sustentação motriz da União Europeia, não havia mais como se aguardar maduras negociações entre as partes, nesse casamento arranjado que nunca se consumava. Com a chegada de Trump, era melhor que as conveniências logo falassem mais alto do que os obstáculos e que o pragmatismo fosse superior às ideias e ideologias, sob pena de vir a padecer o mundo ideal e perfeitamente harmônico sob os escombros de economias destruídas do lado da América do Sul e da Europa.
A pressão de Trump contra a postura dos Brics, a saída do Reino Unido da União Europeia, a oscilação da Alemanha, o crescimento da China e a luta dos Estados Unidos por sua hegemonia, colocam o mundo num arranjo complexo e nunca foi tão evidente a aplicação prática do ditado de
que “tempo é dinheiro”.
O que isso significa?
Que se Trump tivesse perdido as eleições, provavelmente o ajuste levaria outros anos por amadurecer.
Que, com Trump, teve de ser acelerado o tempo de resposta dos demais atores do sistema global, criando um clima de pragmatismo, em busca de um novo patamar de negociações.
Que, sem a cooperação dos parceiros, em prol dos objetivos comuns, reconhecem as nações que, isoladamente, estariam impossibilitadas de se impor no mercado internacional.
Que, sem a união desses países, a penetração da economia americana, mais protecionista com Trump, aumentaria a sua “força de gravidade”, atraindo cada vez mais países para perto de si, como seus satélites servis.
Que, sem tal rumo, esses países teriam de se opor ao contexto narrado e seguir o caminho individualista ou a colegiada sistematização do BRICS.
Que países abrem mão da sua negociação direta com certos parceiros, em prol dos acordos colegiados, que sejam feitos pela União Europeia e pelo Mercosul.
Que países revelam que se sentem expostos diante do cenário global e que é melhor unir forças, já, do que correr o risco de ser engolido nesse mar de tubarões.
Que outro tempo se inaugura, no que se convencionou chamar de Guerra Fria, em que apenas os blocos ocidentais e orientais se mediam e enfrentavam, pois, agora, novos blocos ganham consistência e tentam se impor.
Apesar disso, os conceitos de Nações ainda guardam consigo os adjetivos de força e individualidade das suas soberanias políticas, embora as barreiras territoriais tenham menos relevância, se considerarmos as cadeias produtivas e as cada vez mais complexas interseções na atuação dos diversos parceiros e produtores, mercadores e consumidores.
Essa complexa deterioração prática da soberania política, por conta da rapidez e imensidão dos negócios transnacionais, coloca o mundo em novo momento político-econômico. Aí estão os elementos que respingam nesse momento global e na recente aceleração desse acordo Mercosul e União Europeia.
Embora a França pareça não sair com vantagens no momento – até pelo fato de que é muito subsidiada a sua agricultura – teria aderido ao processo para não ficar para trás, já que a aliança em curso otimizará a penetração global da Europa sobre os espaços vazios da economia dos países do Mercosul, significando, isso, aumento das suas exportações para esses mercados e melhoria no acesso às riquezas minerais sul-americanas.
Além disso, oportunamente deverá haver redução dos tributos sobre exportações entre os países integrantes do acordo, o que envolve uma imensa gama de produtos, de cá e de lá. Contudo, isso não significa vantagem absoluta ou imunidade contra desvantagens, porquanto, de início, deverá impactar nos dois lados a questão dos ajustes de preços e tarifas e, a partir daí, da concorrência direta em instâncias equilibradas.
Para nós, deverá haver melhora da posição da nossa exportação de carne, que vem sofrendo pressão oriunda de certos mercados importadores. O vigor do nosso setor deve nos dar vantagens e esses aspectos deverão melhorar a posição nacional.
Hoje se antevê que ocorrerão vantagens para as nossas exportações, como consequência da queda ou fim das tributações nos países importadores que integram o bloco. Todavia, talvez venha a se perder essa vantagem diante da possível resistência interna de cada nação. Explicamos: como ficariam os fortes produtores da agricultura francesa, se vierem a perder os subsídios que a França lhes concede, para disputar em condições de igualdade com os produtos brasileiros?
Essa pergunta guarda dimensão importante e a resposta talvez enseje um caminho de resistência interna bastante significativo, pois é sabido que o setor agrícola francês é muito forte e atuante, com frequentes notícias sobre tratores desfilando em protestos, embora, em termos percentuais, responda por apenas 1,6 % do seu PIB. Por isso, já se vê movimentos de resistência dos agricultores franceses, com medo de perder espaço interno, em caso de disputa com outros – inclusive o Brasil – em igualdades de condições.
Muito há, portanto, em jogo, lá, aqui e em todo lugar.
A questão pouco ventilada é que esse acordo tão noticiado não é o ajuste definitivo, o qual ainda deve demorar a ser formalizado. Precisa ser ratificado por nada país e, no caso nacional, passar pelo Parlamento.
Por isso, a aceleração desse casamento pode ter na chegada de Trump a sua justificativa, o que não significa que tudo estivesse maduro e pronto para essa consagração. Só o tempo dirá, notadamente diante da evidente e previsível reação dos Estados Unidos e da China. Como numa mesa de jogo, quem tem a melhor mão tende a ganhar a rodada, embora a vitória possa estar com quem blefe melhor e pague para ver. Riscos acompanham as ações voluntariosas e esse acordo da União Europeia com o Mercosul, embora corra por 25 anos, foi concluído repentinamente, o que pode gerar incertezas na execução e efetividade do ajuste. Nesse ponto, o poderio militar e o controle das jazidas minerais fundamentais e do petróleo podem alimentar outras posturas e acordos, não sendo demais lembrar que as guerras foram feitas por obtenção de vantagens estratégicas ou por manutenção dos espaços antes conquistados. Nada é fácil e nem ocorre de graça. Olhos atentos, o mundo está em mudança.
*Rogério é Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ.