“Afinal num golpe ousado e que a muitos pareceu irrealizável, a administração da Santa Casa resolveu proceder a uma remodelação completa, construindo o monumento que é hoje”.
09-12-2024 às 08h51
Manoel Hygino dos Santos*
O início de Belo Horizonte tem uma história assaz interessante. Há um romance da época, “A Capital”, de Avelino Fóscolo, que enfoca o tema de modo muito objetivo. Fatos comprovam depoimentos do ficcionista e mostram que o poder público, assoberbado com os investimentos nas obras de construção, não pensara na assistência aos enfermos, cujos custos se supunha seriam sobremodo elevados. Coisa do porvir.
Foi quando o comendador Manoel Marques Leitão, dono da fazenda por onde passava o córrego que tem seu nome, aventou a ideia de convidar pessoas importantes da localidade e discutir a fundação de um hospital. Uma reunião formal, ou pelo menos não tão informal, foi agendada para 21 de maio de 1899.
Uma segunda, em 18 de junho, no prédio da Imprensa Oficial, avançou o suficiente para responder às expectativas. Já existia, porém um estatuto para a entidade que se criara, deixando feliz o prefeito, o primeiro da capital, Adalberto Ferraz. A entidade era a Sociedade Humanitária da “Cidade de Minas”, nome adotado para a nova metrópole.
O estabelecimento seria erguido para os lados de Santa Efigênia, onde se ergueu o Primeiro Batalhão da Força Pública e o primeiro templo – a Igreja de Santa Efigênia, na região Centro-Sul. Precisava-se de terreno, e definiu-se o quarteirão 20, da 8ª Seção Urbana, com frente para a Praça XV de Novembro, hoje Hugo Werneck, que seria acrescido do quarteirão 32, da 1ª Seção Urbana. O imprescindível estava resolvido, a que se somaram barracas de lona, que tinham servido aos operários da construção do núcleo original da cidade e que seriam usadas para atendimento dos doentes. Houve missa festiva para inauguração do chamado Hospital-Barraca em 8 de setembro de 1899, festa da Natividade de Nossa Senhora.
MUITO ESFORÇO
O passo mais relevante e seguinte foi a construção em alvenaria de pavilhões para internação de enfermos, dando-se prioridade aos sem recursos – os indigentes –, que não faltavam e começaram a chegar de todos os rincões mineiros.
A despeito de todas as dificuldades, principiavam-se e terminavam-se os pavilhões, modestíssimos, mas com médicos e profissionais de saúde cônscios de suas obrigações. Uma primeira enfermaria foi solenemente inaugurada; em 2 de fevereiro de 1901, iniciou-se a segunda, com grande euforia e foguetório, para incentivar a contribuição de doadores. Em 25 de abril de 1901, houve a festa da cumeeira e, em 1º de janeiro de 1903, fez-se festa para celebrar o Hospital Central, com duas enfermarias.
A cidade crescia, aumentava a população, as demandas, tudo repercutindo na Santa Casa e seus problemas, a começar pelos financeiros. A instituição não podia continuar apenas como um punhado de pavilhões e galpões para doentes em Santa Efigênia. O historiador da Medicina em Belo Horizonte, Pedro Salles, aqui formado na turma de JK, anotou: “Afinal num golpe ousado e que a muitos pareceu irrealizável, a administração da Santa Casa resolveu proceder a uma remodelação completa, construindo o monumento que é hoje”.
Foi no tempo do provedor José Maria Alkmim, que se deu uma metamorfose completa do estabelecimento. Convenceu-se de que aquele núcleo inicial, que já recebera tantos acréscimos e remendos, ele não comportava mais reformas paliativas. Convocou especialistas, como Souza Campos, e procedeu-se a uma completa substituição do antigo conglomerado de blocos e pavimentos pelo atual conjunto arquitetônico, um dos maiores estabelecimentos de assistência hospitalar do Brasil.
O Hospital Central da Santa Casa BH é o quartel-general do complexo hospitalar da primeira instituição assistencial da Capital, nascido ao apagar das luzes do século XIX. Ali se multiplicam esforços desde 1946, ano de inauguração, para bem servir à população e à própria ciência médica. Constituiu-se no cérebro e coração da instituição, que tanto honra a Capital, Minas e o Brasil.
UMA VISÃO NOVA
As inaugurações no edifício da avenida Francisco Sales se fizeram em prestações, à medida que se concluíam os respectivos centros clínicos. Finalmente, em meados dos anos 1940, deu-se a entrega oficial do monumental estabelecimento, sempre acrescido de novos departamentos. Obedecia-se de todo modo ao projeto do arquiteto Rafaello Berti (1909/1972), que desembarcou na Capital por seis meses e permaneceu até o fim de sua produtiva existência.
Berti participou da fundação da Escola de Arquitetura, hoje da UFMG, é autor de projetos integrados à paisagem urbana da capital, inclusive o da Prefeitura, finalizando ao tempo em que o escritor, jornalista e político José Oswaldo Araújo, geria a metrópole. O tempo não parou. Exatamente no ocaso do século XX, quando o provedor da Santa Casa era o ex-prefeito da capital Celso Mello de Azevedo, resolveu-se dar nova pintura ao edifício central do grande complexo assistencial, degradada pelo tempo.
Tinham transcorrido mais de 40 anos da inauguração. Precisava-se de muito dinheiro, mas o ex-chefe da administração municipal, coadjuvado pela Associação Comercial de Minas, e presidida pelo empresário Lucio Marcos Bemquerer, pelo empresariado, enfim decidiram fazer a obra. Muito dinheiro foi necessário, mas houve sensibilidade, a campanha “Santa Casa, Santa Causa”, foi um sucesso, a fábrica de tintas Suvinil aderiu ao movimento e tudo deu certo. O icônico conjunto ganhou feição nova.
Agora o conjunto e a população sentiam imprescindível nova pintura. A direção da Instituição soube ouvi-lo.
As obras serão executadas pela Multicult, especializada em ações e serviços nas áreas de planejamento, curadoria. Produção e articulação para eventos, projetos e iniciativas nas áreas de Arquitetura, Cultura Design, Gastronomia e Contemporaneidade.
A restauração conta com grandes patrocinadores, a Minerita, além das empresas Lagoa Revendas, Geosol Cedro Mineração, Grupo Multitécnica e Perfil Gerais.
A FUTURA CARA
Desde setembro de 2024, quem passa em frente à Santa Casa Hospital de Alta Complexidade 100% SUS tem enxergado uma paisagem diferente. O jardim de entrada foi tampado por tapumes metálicos que anunciam o início de uma grande obra. Após mais de 30 anos, a fachada do icônico prédio vai passar por uma restauração completa, resgatando o projeto original, assinado por Rafaello Berti, como se disse.
A primeira fase desta obra conta com orçamento de R$ 9 milhões, captados via Lei Rouanet – pois o projeto foi contemplado pela legislação por se tratar de um edifício histórico, tombado pela Prefeitura de Belo Horizonte.
Serão restauradas as fachadas laterais e a frente, enquanto o bloco B e a parte dos fundos serão contempladas em segunda etapa prevista para 2025. Paredes serão pintadas com tinta mineral, que é mais adequada e tem maior durabilidade, além de ajudar a proteger o reboco original do edifício. A forma original das esquadrias será recuperada e as instalações elétricas, de água e esgoto, que aos poucos foram sendo transferidas para as fachadas, serão embutidas. O já conhecido azul sairá de cena e dará lugar à cor “pérola de quartzo”, nome inspirado no mineral abundante em Minas Gerais-, que remete a um tom perolado, suave e bem luminoso. Na base e no coroamento do prédio, entrará o “calcário cristalino”, uma cor um pouco mais escura, mas que também faz referência a um mineral claro, com tonalidade suave e terrosa, muito comum em formações rochosas do estado. Já nos frisos que sobressaem da fachada, será aplicado o “branco do vale”, inspirado na pureza e na suavidade da argila branca encontrada no Vale do Jequitinhonha. A fachada receberá, ainda, iluminação adequada, destacando a beleza e a imponência da edificação.
Segundo o provedor da Santa Casa BH, Roberto Otto Augusto de Lima, a paleta foi pensada para valorizar ainda mais as características do prédio. “As cores são um recurso que irão potencializar de maneira evidente a elegância do edifício, um dos símbolos arquitetônicos de Belo Horizonte, e um marco do art decó, que estava em voga na capital, nas décadas de 1930 e 1940”.
Roberto Otto reforça: A restauração vai muito além da questão estética, comunicando de forma mais clara o nível de excelência dos serviços prestados pelo maior hospital 100% SUS de Minas Gerais.
O Provedor lembra, ainda, que a restauração faz parte das comemorações dos 125 anos da Santa Casa BH, completados em maio de 2024. “Para celebrar esse marco histórico, criamos uma campanha que tem como mote ‘sonhos não envelhecem’. A partir dele, programamos uma série de ações e, entre elas, está a nova fachada do Hospital de Alta Complexidade 100% SUS Santa Casa BH, a realização de um sonho.
*Da Academia Mineira de Letras e da Associação Nacional dos Escritores