O trânsito era incipiente. Basta verificar, só se vê um carro estacionado na avenida. Hoje, o trânsito está do modo que todos sabem. A ruas da cidade não foram feitas para os automóveis
29-11-2024 às 16h46
Alberto Sena*
Os fotógrafos costumam dizer “uma foto fala mais do que mil palavras”. Até certo ponto concordo. Mas nem toda foto tem o poder de levar alguém a despender energia para pronunciar mais de mil palavras. A não ser que a foto tenha alguma coisa a ver consigo, seja uma recordação, lembrança de algum momento. Melhor se fora momento positivo. Caso contrário, nem é bom perder tempo espiando a foto, espichando os fios de lembranças.
Para mim, montes-clarino de nascença, a foto em tela, vista parcial da Avenida Afonso Pena, em Montes Claros, vale por muito mais do que mil palavras. Para ser exato, por meio deste texto, essa foto valerá mais de 4.200 caracteres. Sim, porque essa foto não é uma foto comum. E não foi sacada aleatoriamente. O seu autor deve ter pensado antes na possibilidade de estar gravando para a posteridade a imagem desta via de tamanha importância para a cidade. A foto é do tempo da pacata Montes Claros, quando a gente conhecia quase todas as pessoas.
O trânsito era incipiente. Basta verificar, só se vê um carro estacionado na avenida. Hoje, o trânsito está do modo que todos sabem. Se fosse o caso de sacar uma nova foto do mesmo ponto, a título de comparação, quase meio século depois, pode ser que hoje tudo esteja diferente. Pode ser. Não passo por ali há décadas. O sobrado onde morou Gerinha Português e família talvez nem exista mais.
Com certeza mesmo não posso afirmar nada. Posso especular considerando a voracidade da exploração imobiliária que só enxerga cifrões pela frente e deve ter engolido toda a área, de modo que a casa onde morou a família de Nenzão também já deve ter ido para o beleléu.
Assim como também já deve ter virado escombros o lugar onde havia a oficina de Bonga, técnico do Juvenil do Cassimiro de Abreu, ali entrando logo à direita. Eu e os colegas de equipe passávamos horas vendo Bonga trabalhar e ao mesmo tempo conversando com ele e com os colegas do time que se sagrou bicampeão de Montes Claros e enfrentou o juvenil do Botafogo, em General Severiano, no Rio de Janeiro. Perdemos de 4 a 1 e trouxemos o Botafogo a Montes Claros e empatamos de zero a zero no campo do Ateneu lotado. Duílio, o nosso goleiro, defendeu dois pênaltis e o Botafogo o levou. Duílio teria jogado até no Flamengo.
Do lado esquerdo, entrando pelo portão, como mostra a foto, podíamos comer do bom e do melhor no restaurante Mangueirinha. Hummmm… Como era gostoso. Às vezes saíamos tarde da noite depois de divertir nas festas do Clube Montes Claros, ali próximo, morrendo de fome, juntamente a amigos íamos jantar no Mangueirinha, como chamávamos o lugar.
Como o próprio nome indicava, o restaurante se chamava Mangueirinha porque tinha um baita pé de manga dentro dele. E manga, que por aqui por essas plagas é conhecida como “manga comum”, por ser comum, evidentemente. Em outros lugares ela é conhecida por “manga sapatinho”. É a manga mais deliciosa que conheço. Saborosa.
As pessoas costumam dizer que não chupam a “manga comum” porque ela contém “muito fiapo”. Acho que isso não é desculpa para deixar de consumir a “manga comum”, considerando que a Odontologia, há muito tempo inventou uma das mais importantes invenções dos últimos séculos, a “fita dental”. Depois de chupar a “manga comum” é só passar a “fita dental” que tudo se resolve.
Aqui com as minhas mangas de camisa às vezes penso na importância da “fita dental”. Suspeito que ela seja responsável pelo aumento da expectativa de vida dos brasileiros. Ela é um grande preventivo contra bactérias dentárias manifestas em gengivas de quem não cuida bem da saúde bucal.
Décadas atrás, muita gente nem tinha o costume de ir ao dentista. Aliás, dentista era algo inacessível para quem não tinha dinheiro suficiente para pagar a conta. Então as bocas eram daquele jeito. Dentes apodrecidos, etecétera e tal. As bactérias proliferavam e mais dia menos dia caíam na corrente sanguínea e, pimba, o cidadão que poderia viver saudável alguns anos mais batia as botas logo cedo.
Se quem chegou até este ponto quiser tirar a prova dos nove fora, pode contar o número de caracteres deste texto para se certificar de que, como dizia no início, uma foto pode valer por mais de 4.200 caracteres, como é o caso dessa fotografia antiga da Avenida Afonso Pena daqueles benditos anos 1970, na amada Montes Claros.
*Jornalista e escritor