23-11-2024 às 09h09
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
Desde a era Vargas, com o implemento da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) discute-se a garantia de direitos mínimos. A regra da jornada 6×1 visava, à época, garantir ao trabalhador um mínimo de descanso, após 6 dias de trabalho, 1 dia de folga que seria, preferencialmente, aos domingos.
Esta jornada é prática comum na atualidade e afloram-se discussões pela sua redução. Isto porque, o alargamento de direitos é uma necessidade para se repactuar as forças e interesses da relação entre capital e trabalho.
A pauta pelo fim da jornada 6×1 encontra apoio popular e resistência por parte do empresariado que alega que reduzir as jornadas de trabalho seria contraproducente e propiciaria prejuízos as suas atividades comerciais, o que poderia levar, inclusive, ao fechamento de seus estabelecimentos, haja vista, o aumento dos custos operacionais.
Porém, de outro lado, é inegável o direito ao descanso. O direito ao “não trabalho”, ao tempo de lazer, de ócio.
Outro dado a ser analisado é que os casos de burnout pelo excesso de trabalho, os acidentes, o estresse e as licenças, são significativos e encontram amparo na alegação de excessivas horas trabalhadas na contemporaneidade.
As jornadas de trabalho, atualmente, em muitas circunstâncias, são extenuantes, pois, inclusive, não se trata de trabalhar 8 horas, mas de gastar 2 ou mais horas para ir para o trabalho e voltar, mais o tempo de preparação até sair de casa, o tempo não só de deslocamento, mas de espera pelo transporte público e outras circunstâncias que tornam uma jornada de 8 horas, por vezes, tomar em torno de 12 horas dedicadas ao exercício daquela tarefa. Sendo que, as 12 horas restantes de um dia de 24 horas, deveriam garantir ao trabalhador 8 horas de descanso. Logo, por vezes, o trabalhador tem cerca de 4 horas diárias para realizar suas refeições, estudos, cuidar dos filhos e da família e para o seu lazer também. Enfim, essa conta não fecha.
A jornada, indiscutivelmente, é um dos fundamentos do contrato de trabalho e elemento para a transformação da realidade, pois os homens ao trabalhar se associam para atingir fins comuns e se vinculam em relações de reciprocidade.
Viver pressupõe não só transformar a natureza, trabalhar, mas ter tempo para possibilidades múltiplas de lazer, enquanto alavancas aptas a tornar o ser humano mais pleno e realizado ao longo de sua existência.
A relação entre empregado e empregador é de gerência e prestação de serviços e deveria se dar por meio de um equilíbrio, mas é sabida a ascensão do capital sobre o trabalho.
Historicamente, quem trabalha só tem a disposição de si e a oferecer a sua própria energia ao executar o trabalho predeterminado. Já o empregador transforma essa energia em produção de riquezas, detém o capital, possui as máquinas, gerencia o pessoal, enfim, o empreendimento está sob sua coordenação.
O objetivo do empregador é o lucro, enquanto o do obreiro é a manutenção de sua sobrevivência. Para que haja equilíbrio das forças, faz-se necessária a intervenção estatal com incentivos, legislações e regramentos. Para proteger o trabalho e o trabalhador surgiu o ramo trabalhista do Direito para compor um equilíbrio de forças “possível” entre capital e trabalho.
O grande desafio das relações de trabalho na modernidade é garantir lucro dentro de uma relação de equilíbrio, em que se tenham garantidos os direitos do trabalhador.
O Direito ao trabalho digno pressupõe a proteção contra jornadas de trabalho extenuantes, sendo fundamental garantir o direito ao descanso, a recuperação das energias do trabalhador e seu bem-estar.
Reduzir as jornadas é mecanismo para torná-las condizentes com a manutenção da saúde física e psicológica do trabalhador. As razões da redução são de ordem: social, familiar e, inclusive, filosófica, pois trabalho em excesso tolhe a qualidade de vida.
É falaciosa, sob muitos aspectos, a ideia de que produção tem relação direta com o tempo dedicado ao trabalho, pois quem trabalha menos horas, mas descansado rende mais.
O trabalho é necessário, mas a vida deve se extravasar de possibilidades para além deste. Há valores mais altos que complementam a existência.
Todos os seres necessitam de tempo livre, descanso. A vida tem solicitações maiores e mais urgentes. Todos buscam elementos de gozo, satisfação, alegria. Quando todos trabalham menos individualmente, há disponibilidade de mais postos de trabalho para todos, ou seja, o coletivo ganha. Diminuir jornadas de trabalho propicia geração de empregos.
Bertrand Russell já elucidava que o lazer é indispensável para o progresso das civilizações, assim como Domenico De Masi em sua obra “Ócio Criativo” que versa sobre a necessidade de tempo livre para dedicar-se ao que lhe aprouver, pois complementar a vida humana para além do trabalho permite ao homem se engrandecer com valores superiores. O trabalho não é fim em si mesmo e ter tempo livre é essencial.
Produtividade pode ter mais a ver com educação e formação técnica do que com a questão das horas trabalhadas, inclusive, o tempo livre pode servir enquanto mecanismo de poder da classe trabalhadora que poderá dedicar-se para aquisição de cultura e de novos conhecimentos.
Que o lucro exista, mas que se distribua parcela deste entre aqueles que o produziram. Que existam vantagens recíprocas. Não é justo que para uns tudo e para outros nada. Se a questão é que a redução das jornadas de trabalho segundo o discurso dominante tolhe os lucros e torna a atividade empresarial inviável, que se abram os livros de contabilidade para se fazer as contas. Mas ao fazer este cálculo que se aprecie: o humano, o justo e o decente para todos.
Fica a lição cristã: partilhar o pão! Que todos se coloquem um pouco no lugar do outro. O que todos querem é ser felizes. A revolução se faz com um aperto de mãos quando todos ficam satisfeitos.
Que a classe trabalhadora se empodere, e que fique uma mensagem: trabalhar menos horas, para que haja, inclusive, trabalho para todos!
(Doutora, Mestra e Especialista pela UFMG. Atualmente, realiza Estudos Pós Doutorais pela também UFMG, com financiamento público da FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais). Professora convidada no PPGD UFMG (Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais). Pesquisadora com ênfase nos estudos sobre o Direito do Trabalho, Filosofia do Direito e Linguagem) Colunista do Diário de Minas