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27-12-2025 às 10h55
Marcelo Castro*
Ao longo da história, as civilizações que alcançaram estabilidade e continuidade não o fizeram por acaso. Foram construídas sobre valores claros, hierarquias funcionais e a compreensão de que governar não é um direito natural, mas uma responsabilidade adquirida pelo preparo, pela disciplina e pelo serviço ao coletivo. Nesse sentido, a monarquia tradicional, longe da caricatura do absolutismo, guarda semelhanças profundas com o ideal da meritocracia.
Aristóteles já advertia que o critério essencial de um regime político não é sua forma, mas sua finalidade. Governos legítimos são aqueles orientados ao bem comum. A monarquia clássica europeia, especialmente em sua evolução constitucional, operava sob essa lógica: o poder não era uma conquista individual, mas um encargo herdado e continuamente justificado pelo dever. O governante era educado desde cedo para servir ao Estado, preservar a ordem e garantir a continuidade institucional.
Edmund Burke, ao criticar as rupturas revolucionárias, defendia que a tradição não é um resíduo do passado, mas uma inteligência acumulada ao longo das gerações. As monarquias constitucionais europeias assimilaram essa ideia ao separar símbolo e gestão: a Coroa como eixo de unidade nacional e a administração pública estruturada sobre mérito técnico, disciplina e responsabilidade. Nesse modelo, a meritocracia não nasce da igualdade absoluta, mas da responsabilidade proporcional. Quanto maior a função, maior o dever. O poder, quando compreendido como serviço, produz civilização.
Europa e Brasil: dois caminhos institucionais. Na Europa, a formação do Estado moderno foi marcada pela disciplina militar, pelo direito, pela educação clássica e pela autoridade moral das instituições. Mesmo após guerras devastadoras, o continente conseguiu reconstruir-se com base em ordem, identidade nacional e continuidade institucional.
No Brasil, o período imperial (1822–1889) representou o momento de maior estabilidade institucional da nossa história. Dom Pedro II, frequentemente subestimado no debate público, foi um chefe de Estado erudito, comprometido com ciência, educação e soberania. A ruptura republicana, no entanto, não foi acompanhada por um projeto consistente de formação cívica e civilizatória.
Alexis de Tocqueville já alertava que democracias jovens, sem virtudes cívicas consolidadas, tendem a confundir liberdade com ausência de limites. O Brasil republicano seguiu esse caminho: personalismo político, fragilidade institucional e perda progressiva da noção de serviço público.
Educação: o primeiro pilar tensionado. Ao longo desse processo histórico, torna-se evidente que a educação foi o primeiro grande pilar a ser deliberadamente tensionado no Brasil do pós-guerra. Instalou-se a ideia de que o país precisava romper com sua própria trajetória, como se a história nacional fosse um erro a ser corrigido. A educação deixou de ser compreendida como transmissão de conhecimento, disciplina intelectual e formação do caráter, passando a assumir o papel de instrumento de transformação social.
Modelos pedagógicos apresentados como modernos e libertadores passaram a relativizar hierarquias, autoridade intelectual e mérito. Experiências pontuais ganharam projeção política e simbólica, ainda que jamais tenham sido testadas estruturalmente em escala nacional. Mudanças de regime impediram sua implementação naquele momento, mas não interromperam a disseminação de suas premissas no meio acadêmico e político.
Com a abertura política e o processo que culminou na Constituição de 1988, essas ideias retornaram com força institucional. Conferências educacionais, movimentos sindicais e novos atores sociais passaram a influenciar diretamente os constituintes. O liberalismo cultural que havia marcado a década de 1970 — visível na arte, na música e nos costumes — atravessou o campo cultural e se instalou nas estruturas permanentes do Estado.
A educação básica foi reconfigurada sob a lógica da horizontalidade absoluta. O professor deixou de ser referência de saber para tornar-se mediador; a disciplina foi associada à opressão; a hierarquia funcional, à desigualdade. Em nome da democracia, conselhos e sindicatos passaram a deliberar sobre conteúdos e valores, frequentemente subordinando o mérito técnico à militância organizada.
Paralelamente, novas associações e movimentos sociais adquiriram status quase normativo, influenciando políticas públicas e redefinindo conceitos centrais como propriedade, família, moral e liberdade. O discurso da reparação aos excluídos legitimou a ocupação de espaços institucionais sensíveis, inclusive aqueles que deveriam permanecer protegidos da instabilidade ideológica.
O resultado não foi uma sociedade mais coesa, mas a fragmentação progressiva dos referenciais comuns. Valores antes transmitidos pela família, pela tradição e pela cultura passaram a ser constitucionalizados sob uma lógica politizada e mutável. Passados 37 anos da Constituição de 1988, os efeitos desse modelo já podem ser medidos na erosão da autoridade moral, na perda de coesão institucional e na dificuldade de formar gerações com senso claro de dever e pertencimento.
A crítica aqui não é um apelo nostálgico ao retorno das coroas, mas à recuperação dos princípios que sustentaram as grandes civilizações: mérito, serviço, disciplina, tradição e propósito coletivo. A monarquia histórica compreendeu algo que a democracia contemporânea parece ter esquecido: nem todos nascem preparados para governar, mas todos podem ser educados para servir.
A democracia, quando dissociada de virtudes cívicas, degenera em disputa permanente. O liberalismo, quando absoluto, dissolve o sentido de responsabilidade. Sem liderança moral, não há nação. Sem educação estruturada, não há civilização. E sem propósito coletivo, não há liberdade que se sustente.
Às vésperas dos 40 anos da atual ordem constitucional, o Brasil assiste ao esgotamento de um ciclo e à emergência de uma nova etapa, novamente apresentada sob a narrativa dos excluídos. A história, no entanto, é implacável: ela registra resultados, não intenções.
O futuro chegou e o tempo passou e nada a vista na estrutura comportamental da nossa gente.

