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10-12-2025 às 08h22
Direto da Redação*
Um telefonema, uma rápida conversa, e em pouco tempo estávamos Solange, eu e você, no seu carro. De Elizabeth a Newark, um pulo. Um pito após outro. Entre fumaça e frio, ouvíamos o CD Pop Roça, de Tadeu Franco, e falávamos dos nossos amigos, daqueles que são verdadeiros troféus na galeria da nossa vida. Lembramos de Kiko Salles, Euler, Regina, Ivo Faria, Celso Adolfo, Sorin, Tadeu Franco, Paulinho Pedra Azul, Hely do 14 Bis, Tavares Dias, Chico Lobo e Fernando Sodré. Ora eu, ora você, enaltecendo as suas qualidades. Na nossa legislação já ficou decretado que amigos não têm defeitos.
Você, eleitor declarado de Hillary Clinton, votara em Obama. Falamos do significado da sua eleição para o mundo. Da festa democrática que fora a sua eleição. Da esperança de ver melhores dias neste país tão maltratado pelo Bush.
Um outdoor tirou a minha atenção, uma mulher ali estampada me fez viajar no tempo. Me lembrou Marisa Mel, uma atriz italiana que fora minha companheira inseparável na solidão dos banheiros, de onde eu, adolescente, saia com os braços cansados de amparar a ausência dela. Olhos fundos, mas coração alegre, por saber que o mundo era melhor, graças à existência de uma mulher como aquela.
Eu lhe falei de um erro grosseiro e imperdoável da TAM, que me fez perder o Natal, a paciência e a confiança que eu sempre depositei naquela empresa. Fiquei sabendo que você também passara o Natal sozinho, que a sua esposa e filhas estavam no Brasil. Percebi a tristeza no seu olhar, quando lamentou estas ausências.
No Restaurante Coimbra, entre whisky, rabo-de-galo e coca-cola, nos deliciamos com gambas e caldeirada de leitão. A entrada de um grupo folclórico português fez a alegria da Solange, que se afastou para fotografá-los. Uma noite excelente.
Falamos de literatura brasileira e estrangeira, lembrando de alguns autores. Pode ficar tranqüilo, que eu não me esqueci da promessa que lhe fiz, pois não sou homem de esquecer promessas. Prometi um livro, de um escritor da nova geração, um romance carregado nas tintas da paixão. Um relato que faz Brasil, Espanha, Portugal e Estados Unidos, virarem uma terra única, que teria o amor como idioma e a paz como bandeira. Sem moradia para truculentos trapalhões como Bush e Franco, e qualquer um que pilote os aviões da discórdia e da guerra para oprimir o povo. Romances assim podem acontecer em terras de São Raimundo, Oropa, França e Bahia.
Os seus sorrisos não conseguiam esconder a tristeza que você sentia. A Solange debitou esta tristeza na conta da ausência da sua família ao seu lado. Pelo sim, pelo não, lhe mando este recado acalanto.
“Família foi feita para nos fazer feliz, revogadas as disposições em contrário”. Nossos filhos são nossos filhos, nós os criamos para o mundo. Como filhotes fugidos do ninho, devemos incentivar, com alegria, os seus vôos longos, até nos momentos em que a preocupação nos assola. Mesmo aqueles que caíram do ninho ou que foram chocados em outra ninhada. Mas devemos acolhê-los quando retornarem em busca do calor das nossas asas. Ai, nada pode impedir este momento mágico narrado nas parábolas. A volta de um filho deve ser comemorada sempre, valendo aqui a fanfarronice do Collor: “duela a quien duela”.
O que são milhares de quilômetros para a velocidade do querer bem, para a rapidez do coração ou para a luz na tela da consciência que projeta o filme da saudade? Alegria e tristeza são as duas faces da moeda da vida, jogada para cima em um cara-e-coroa eterno.
Isto tudo e mais sentido por aqueles, que como você, souberam alimentar o corpo e empaturrar a alma com guloseimas como crônicas, poemas, romances, filmes e canções. Devorando a sobremesa das pinturas feitas por mãos humanas ou pela magia da natureza.
Viva a vida. Seja feliz. Nas terras do coração não podemos ser duros como rocha e nem dobráveis como um barbante, para não sermos costurados ou bordados em uma indumentária indesejável. E melhor sermos como o bambu, que dança e balança, para não cair com a força dos ventos.
Como pode se enfraquecer um homem que aprendeu nas telas de São Raimundo, que ganhou força com Charlton Heston, John Wayne, Victor Mature, Clint Eastwood, John Weismuller e Franco Nero? Que captou a beleza e a emoção do mundo nos corpos e nos olhares de Elizabeth Taylor, Brigitte Bardot, Gina Lollobrigida, Sophia Loren, Rachel Welch, Virna Lisi e Lana Turner?
Quem sou eu para lhe aconselhar. Mas me atrevo a fazê-lo, dividindo as minhas sugestões em algumas partes, quase todas com um bom mergulho no passado, sem saudosismos, mas fazendo disto um recarregar de baterias, para encher de energia o futuro:
1 – Encontre um tempinho para rever uns bons filmes que viu no passado.
2 – Dance um bocado. Mesmo em casa e mesmo sozinho, ouvindo em volume alto Beatles, Stones, Creedence ou outro grupo ou artista que tenha marcado a sua experiência de dançarino. Não tenha vergonha de abusar dos passos, dance. Santo Agostinho já dizia que o homem que não sabe dançar vai viver pior e dar muito trabalho aos anjos no céu.
3 – Volte a ouvir Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento, lembrando dos bons momentos que estas canções lhe propiciaram.
4 – Releia os Drummond, Carlos e Roberto. Foi através do Roberto que fiz contato com você. Ainda na década de 80, fomos gravar um programa na TV Bandeirantes em BH, ele me deu um exemplar do BV e me incentivou a lhe mandar meus textos.
5 – Leia, ou releia, “Os subterrâneos da Liberdade”, uma trilogia do baiano Jorge Amado (Ásperos Tempos, Agonia na Noite e Uma luz no túnel), que nos faz esquecer um pouco da nossa vida e sentir indignados com a opressão. Ele fala muito da sua terra e da sua região lá em Minas Gerais, embora muitos leitores não tenham percebido. A obra foi escrita na ditadura Vargas e o escritor consegue contar a triste realidade da ditadura, como se fosse uma obra de ficção. Como ele precisava se esconder dos algozes, troca nomes, locais e situações. Assim, Vale do Rio Doce em Minas Gerais vira Vale do Rio Salgado em Mato Grosso; Benedito Valadares vira o fazendeiro burro, Venâncio Florival, e Oscar Niemeyer, que protegia os perseguidos pela ditadura, vira o arquiteto Marcos de Souza. O resto você vai descobrindo. Eu recomendo, não podemos perder a capacidade de nos indignarmos com as injustiças.
Agora meu amigo, relendo este recado, vejo que ele está mais sortido que a Venda de Seu Lidiríco, lá em Araçuaí, tem um pouco de tudo. Mas ele pretende ser um ombro amigo, um amparo. Amigos como você são poucos. Estando perto nos aquecem com a boa prosa, com a alegria e com a energia de viver. Quando longe, nos deixam felizes com os bons textos que escrevem e com a certeza de que novos encontros existirão, com o compromisso sagrado de jogar conversa fora e ser feliz.
Lembra-se daquele reverendo que lamentou com o sacristão que o povo não tinha gostado do seu sermão? A resposta do sacristão: “Não senhor, eles gostaram muito, pelo menos até naquela parte que o senhor, todo entusiasmado, mandou o capeta a puta que o pariu”.
Finalizando, exorcize os seus demônios, mande-os a puta que os pariu. Gente como você, foi feita para alegrar o mundo. Seja muito feliz!!!

