Ciclista caído no chão - créditos: divulgação
22-11-2025 às 14h48
Giovana Devisate*
Andava de carro por Botafogo no feriado, dia 20 de novembro. Estava no banco de trás e os meus pais estavam na frente. O meu pai dirigia. Pela janela do carro, avistei um homem cair de bicicleta um pouco à frente, na calçada. Ele não conseguia se levantar.
Com o nosso carro preso no congestionamento, eu tentava entender o que estava acontecendo e observei que ninguém se aproximou do homem caído. Outros ciclistas, pedestres e carros, todos passavam naturalmente, como se o homem não estivesse agonizando em dor, com a perna presa no guidão. O meu impulso, muito desesperadamente, foi sair do carro e ir ajudar.
Coloquei o celular no bolso, porque precisava me comunicar com os meus pais depois e, também, chamar por ajuda caso o homem precisasse. Soltei o cinto de segurança e abri a porta do carro. Saí correndo de encontro ao homem e sua bicicleta que, naquele ponto, eram uma coisa só.
No fim, vendo que eu não conseguiria ajudá-lo sozinha, a minha mãe também saiu do carro. Enquanto eu o levantava, ela movia o guidão que comprimia a sua tíbia. Quando ele conseguiu ficar de pé, perguntamos se ele precisava de mais alguma coisa, se poderíamos ajudar em algo mais… Não precisou: ele agradeceu carinho, mas acanhado. Logo saiu caminhando devagar, empurrando a bicicleta e olhando para a perna, que deveria estar doendo atrozmente.
Enquanto eu voltava para o carro, o mundo parou por meio segundo. Pensei em como tudo tinha acontecido tão rapidamente e em como a imagem de um homem caído no meio da calçada, em uma das ruas mais movimentadas de Botafogo, não foi capaz de sensibilizar tanta gente que passava por ali naquele momento.
Quando me sentei para escrever este artigo, tinha outros planos. Ia falar sobre outras coisas que nada têm relação com o tema, mas fiquei com essa história no meu coração e alguns questionamentos pairando na minha mente. Será que estamos nos tornando insensíveis e egoístas? Será que estamos anestesiados? Ajudar o outro significa perder tempo?
Tem uma frase do La Fontaine que fala que “é preciso ajudar-se uns aos outros: é a lei da natureza” e acho que, para mim, isso sempre foi evidente. Por isso a minha iniciativa desesperada de saltar do carro e ir correndo na direção do homem caído. Por isso, também, a minha surpresa ao perceber que tantas pessoas o haviam ignorado.
Fico com a impressão de que normalizamos tanto a pressa e nos acostumamos demasiadamente a olhar para nós mesmos, ainda que sejamos dependentes da perspectiva de que existimos a partir do olhar do outro, que uma queda não é digna de ajuda, mas de pena. Acredito que isso esteja gerando uma insensibilidade nos seres humanos que não nasce sozinha, mas que é fruto de um sistema egóico e autocentrado, em que esse olhar para si é construído, alimentado e ensinado.
Dirigir está uma loucura, inclusive, porque as pessoas só pensam nelas mesmas e se tornam cada dia mais incapazes de pensar no bem comum. Inventam as próprias regras, fazem o que bem entendem no trânsito e ignoram completamente se estão colocando o outro em risco. É raro ver algum motorista dar passagem, mesmo quando o outro pede ajuda ou está em uma situação de risco, como em um cruzamento, por exemplo…
Vemos isso também quando nos deparamos com grávidas, idosos e portadores de deficiência em pé nos transportes ou em outros espaços públicos porque ninguém pôde ceder o lugar para eles. Cada um quer garantir o próprio espaço, o próprio conforto, sem pensar nas dificuldades e limitações dos outros. Poderia citar inúmeros exemplos, mas acho que não preciso porque cada um que lê este jornal é plenamente capaz de chegar em conclusões a partir de suas próprias vivências. Posso dizer, no entanto, que já foi o tempo de ser “um por todos e todos por um”. Agora é cada um por si e ponto final.
Sempre aprendi que não devemos esperar nada em troca quando ajudamos o outro e Sófocles dizia que “a mais nobre missão do ser humano é prestar sua ajuda ao semelhante por todos os meios a seu alcance”. A famosa história que a gente escuta por toda a vida de que “gentileza gera gentileza” é real, mas mais importante do que isso é simplesmente “fazer o bem sem olhar a quem”. Não importa se vão retribuir, agradecer, ovacionar, devolver. A gente ajuda porque o outro precisa. Isso deveria bastar.
Sobre o homem que caiu de bicicleta: não sei o nome dele, a idade, da onde é, da onde saiu, para onde ia. Não sei como tinha sido o início do seu dia e também não entendi como foram os detalhes da sua queda. Naquele momento, nada disso me interessou. O que importava era ajudar, fazer com que a sua perna soltasse do guidão da sua bicicleta, para que ele conseguisse ficar de pé novamente.
Voltei para o carro e segui o caminho que faríamos, eu e meus pais. Não o vi mais e provavelmente eu nunca mais o veja. Por isso, talvez nunca venha a saber como ele ficou, mas torço para que ele tenha ficado bem e imploro para que você, meu leitor, jamais ignore alguém caído no chão.
*Giovana Devisate é historiadora da arte e designer de moda

