Zumbi dos Palmares - créditos: divulgação
21-11-2025 às 15h38
Raphael Silva Rodrigues
Todos os anos, o dia 20 de novembro chega. Para alguns, é um feriado. Para outros, um lembrete. Para muitos, é um dia como qualquer outro. Mas o Dia da Consciência Negra nunca foi pensado para ser apenas uma marca no calendário. Ele foi concebido para ser um espelho. Um espelho que o Brasil, por vezes, hesita em encarar.
Quando olhamos para este espelho, o que vemos? Vemos o rosto de Zumbi dos Palmares, o último líder do maior refúgio de liberdade das Américas, um homem cujo grito por dignidade ainda ecoa mais de trezentos anos depois. Vemos a coragem de um povo que transformou correntes em instrumentos musicais, dor em poesia e resistência em religião.
Vemos a espinha dorsal da cultura brasileira: no samba que move nossos pés, na feijoada que nos une à mesa, no sincretismo que molda nossa fé, e nas palavras que usamos sem sequer lembrar de sua origem africana.
Mas um espelho honesto não mostra apenas a beleza. Ele revela as cicatrizes.
E as cicatrizes do Brasil são profundas. O espelho de 20 de novembro nos mostra a desigualdade que não é estatística, mas sim o rosto da mulher negra que ganha menos pelo mesmo trabalho. Mostra a violência que não é número, mas o corpo de um jovem negro tombado pela suspeita. Mostra o racismo que não é opinião, mas a porta que se fecha, a vaga que não vem, a piada que fere e o silêncio que consente.
E essa resistência não se limita às nossas fronteiras. Ela ecoa por toda a América Latina, um território historicamente forjado na luta anticolonial. Uma luta que, nos rincões do Brasil às ilhas do Caribe, tem sido vivida, articulada e liderada pelo povo preto. Por isso, faz todo o sentido reivindicar este chão como nosso. Não apenas como o lugar onde vivemos, mas como o palco da nossa história, das nossas batalhas diárias. Reivindicar o direito de dizer, com orgulho e firmeza: a América Latina também é negra.
É fácil celebrar o passado. É confortável aplaudir os heróis que já não podem nos desafiar. O verdadeiro teste da consciência, no entanto, acontece no presente. A consciência não é um evento anual; é uma prática diária.
Muitos de nós caímos na “síndrome do espectador”. Assistimos à história, comentamos a injustiça, talvez até postemos uma imagem de solidariedade, e depois voltamos para a nossa rotina, sentindo que fizemos nossa parte. Mas a consciência exige mais do que observação. Ela exige movimento.
E se, neste 20 de novembro, nos propuséssemos a transformar a consciência em ação? Não em ações grandiosas e inatingíveis, mas em gestos cotidianos, persistentes e transformadores. A verdadeira mudança não acontece em um dia de feriado, mas nos outros 364 dias do ano.
A consciência se torna ação quando: (i) escutamos mais do que falamos; (ii) educamo-nos ativamente; (iii) transformamos nosso consumo; (iv) ocupamos, com respeito, nosso lugar na luta; e (v) celebramos a normalidade, não apenas a excepcionalidade.
O Dia da Consciência Negra não é um ponto de chegada. É um ponto de partida. Um lembrete anual de que a construção de um país verdadeiramente justo é um projeto contínuo, tecido com os fios da memória, da luta e, acima de tudo, da ação.
Neste 20 de novembro, quando você se olhar no espelho, não se pergunte apenas o que este dia significa. Pergunte-se: “O que eu significo para este dia?”. O que você fará amanhã, e depois, e depois, para que o reflexo no espelho do próximo ano nos mostre um Brasil um pouco menos desigual, um pouco mais justo e muito mais consciente?
Que o espelho de 20 de novembro não apenas nos mostre quem somos, mas nos inspire a construir quem podemos ser. Juntos!
Raphael Silva Rodrigues: Doutor e Mestre em Direito (UFMG), com pesquisa Pós-doutoral pela Universitat de Barcelona, na Espanha. Especialista em Direito Tributário e Financeiro (PUC/MG). Professor do PPGA/Unihorizontes. Professor de cursos de Graduação e de Especialização (Unihorizontes e PUC/MG). Advogado e Consultor tributário.

