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20-11-2025 às 08h50
Gisele Bicalho*
Ingredientes: alguns panetones, dois ou três potes de sorvete, zero noção de tempo de freezer. Modo de preparo: não faça.
Esse é o resumo do pior desastre já cometido na cozinha dos Bicalho Resende. O que era para ser a melhor sobremesa de Natal de todos os tempos acabou como piada pronta, que, acredite, é repetida ano após ano. Sabe aquela do pavê? “É pra ver ou pra comer?” Pois então… igualzinho. Todo Natal é a mesma coisa:
• E aí, Tia Gisele? Na ceia deste ano vai ter panetone com sorvete?
Pergunta recorrente, sempre seguida de muita risada.
Nunca mais. Afinal, por aqui, cardápio de Natal é coisa séria. Exige planejamento.
Começa a ser criado em outubro, com a seleção das receitas. Aqui vai um segredinho: no fim das contas, nada muda — exceto a sobremesa.
Nesse cardápio secular, não pode faltar o pernil, o tutu de feijão e o arroz de forno com a mesma receita da Vovó Cocota.
Por falar nisso, alguém sabe me informar onde encontro aquele camarão que era vendido em latinhas? Depois que aquele empório do Mercado Central baixou as portas, nunca mais achei para comprar. E olha que esse ingrediente faz falta, viu?
• Uai, Gisele! Troque por camarão seco ou por camarão fresco. Tem em todo lugar que vende pescado.
Não é a mesma coisa. Garanto. O da latinha tem o seu valor. Tem muita história também.
Voltando ao cardápio: além do arroz de forno, do tutu e do pernil, tem a famosa farofa com ingrediente secreto. Se eu revelar, posso até ser deserdada ou condenada ao degredo. Tem também salada verde com molhinhos especiais, castanhas e afins.
Quanto à sobremesa, pudim de leite e a mousse de vinho são de lei. Além dessas duas delícias, há outras opções que se renovam ano a ano. Muitas (ou quase todas) vêm dos cadernos de receita herdados da Mamãe. Ano passado, a Lulu preparou Ovos Nevados. Delicioso. Memória viva em forma de doce. Quanto a este ano, ainda não decidimos.
Demanda muita consulta, muita pesquisa, muitas mensagens e telefonemas até que se chegue a um consenso.
A mesa é um caso à parte. É decorada e montada pela Jacqueline. Tem o maior jeito para a coisa. No caso dela, bom gosto é mato. A primeira opção é usar o aparelho de porcelana da Mamãe. Mas, já antecipo: pode ser que não seja bem assim. É que na última hora sempre desistimos. E se quebrar alguma peça? E se trincar? E se…? Na dúvida, nunca usamos. Assim, todas as peças permanecem no armário, intocáveis, observando serenamente o caos que se instala na sala de jantar.
Dessa vez, Lulu está planejando usar pelo menos as xícaras para um chá com bolo de nozes. A ideia é servi-lo debaixo da mangueira do quintal, na tarde do dia 25. Vamos ver. Por enquanto, é só um plano.
Estamos pensando também em biscoitinhos natalinos. Tarefa para a Denise. O pão de queijo também. Afinal, o dela foi eleito o melhor da família pela comissão julgadora.
Quanto ao panetone com sorvete, acredito que vai permanecer apenas como memória de uma receita que tinha tudo para dar certo, mas não deu. No fim das contas, tudo é aprendizado.
Principalmente os erros. No caso dessa sobremesa que foi sem nunca ter sido, aprendi que, na cozinha e na vida, nem tudo precisa dar certo. Às vezes, basta render boas histórias, daquelas que a gente serve junto com o café, entre uma piada e outra.
Ah, passeando pelo Instagram, me encantei por uma receita do Pablo Figueiredo: panetone (olha ele aí de novo) recheado com brigadeiro de uva verde, coberto por uma calda caramelizada. Seria um panetone do amor?
Será que eu faço? Melhor não, né? Vai que…
*Gisele Bicalho é jornalista

