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14-11-2025 às 08h11
Edilma Duarte*
Gracialda Ferreira cresceu às margens do rio Arapiranga de Beja, no Pará, sonhando com um futuro diferente do destino traçado para as meninas de sua comunidade. Hoje, como diretora do Instituto de Ciências Agrárias e professora da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), ela é uma das vozes mais lúcidas sobre o desafio de conciliar desenvolvimento, conservação e dignidade para quem vive na Amazônia.
Em Carajás, ela falou ao Diário de Minas sobre sua trajetória, suas origens e as transformações que o estado vive às vésperas da COP30.
Sua terra natal é Belém?
Não. Na verdade, sou ribeirinha. Nasci na floresta, em uma comunidade às margens do rio Arapiranga de Beja, em Baitetuba, a cerca de 120 quilômetros de Belém. Meu pai é pescador e minha mãe agricultora. Por volta dos 12 anos, coloquei na cabeça que não queria aquele destino reservado às meninas que viviam ali.
Qual era a realidade dessas meninas?
A maioria, com 14 anos, já estava casada e com filhos. Eu pensei: “não, não quero isso para mim”. Não sabia o que queria da vida, mas sabia o que não queria. Acabei fugindo de casa. Fui morar com uma tia em uma cidade próxima e comecei a trabalhar como doméstica.
E quando chegou à capital?
Cheguei a Belém em 1992, com 22 anos. Fazia alguns trabalhos por fora até conhecer um projeto alemão conduzido pela Embrapa. Procuravam alguém com bom conhecimento de mato. Eu disse: “sou do mato, vim da floresta”. Eles responderam: “então temos um trabalho para você — fazer o levantamento de plantas em outro município”.
Como foi o início dessa experiência?
Até então, eu não sabia que as plantas tinham nomes específicos, científicos. Para mim, era tudo mato. Na infância, a floresta era nossa fonte de alimento: fruta, mandioca, arroz, feijão, milho. Quando comecei a ouvir os nomes científicos, fiquei encantada.
Assim nascia uma botânica. Eram plantas medicinais?
Nem todas. Fizemos o inventário em 40 hectares. Naquela época, 1992, 1993, já havia estudos de sucessão ecológica em florestas secundárias, áreas usadas para cultivo. Observávamos as espécies que se estabeleciam naturalmente — o que hoje chamamos de restauração por regeneração natural.
Havia alguma instituição à frente do projeto?
Sim, a Universidade de Göttingen, da Alemanha. Trabalhei muito tempo com eles. Depois me mudei para Belém e continuei na Embrapa, atuando no herbário e na identificação de plantas. Foi ali que aprendi também a usar computador — ainda eram os antigos, de 1994, 1995.
Ficou muito tempo envolvida nesses projetos?
Sim. Nessa época conheci o que hoje é a UFRA, então Faculdade de Ciências Agrárias do Pará. Prestei vestibular, cursei Engenharia Florestal, fiz mestrado, passei em concurso, tornei-me professora e segui para o doutorado em botânica.
Professora, com a COP30, todas as atenções se voltam para o seu estado, imenso e diverso…
Imenso mesmo. O Pará tem, se não me engano, 14 regiões de integração, que reúnem municípios com características semelhantes.
São quantos municípios ao todo? E qual é a situação da preservação?
São 144 municípios. Temos áreas de uso intenso da terra e outras com níveis maiores de conservação. Na região do Tapajós, no sul do estado, ainda há fragmentos, mas já se percebe a influência do arco do desmatamento.
A que nível chega esse impacto?
Algumas áreas já se perderam. Há também mineração e uma agropecuária que cresce rapidamente.
De fora, a impressão é de que o estado se resume à mineração. O que de fato move a economia paraense?
Mineração e agropecuária são fortes, mas há também a sócio-bioeconomia, que envolve povos e comunidades tradicionais. A castanha, o cacau, o cumaru, o açaí — todos movimentam o mercado, assim como a produção de sementes para restauração e o manejo sustentável da madeira.
E a mineração?
É expressiva, mas há grandes áreas protegidas. O complexo de unidades de conservação de Carajás é um exemplo importante.
O que explica o bom nível de preservação dessas unidades?
O investimento em segurança e o trabalho educativo com as comunidades do entorno. Elas têm papel essencial na educação ambiental e na conservação. Além disso, há envolvimento de instituições e empresas nesse processo.
Como se dá essa parceria?
Nós, da academia, formamos profissionais para esse mercado. A aproximação com empresas — como a Vale e outras — ajuda a alinhar a formação dos alunos com as demandas dos setores produtivos, mas sempre com o olhar voltado à conservação da Amazônia.
Costuma-se dizer que a Amazônia é o pulmão do mundo, mas não seria a floresta, de fato, o refrigerador?
Ela é o refrigerador, e hoje, também o coração do planeta.
Qual é a política ambiental implementada pelo governo estadual?
O Pará tem um arcabouço legal bem estruturado, conduzido pelas secretarias estadual e municipal de Meio Ambiente. Temos políticas que servem de modelo para o país, mas faltam servidores, o que inviabiliza algumas ações. Criar uma unidade de conservação e deixar um único servidor responsável não funciona.
Esse é um problema comum aos estados, não?
Sim. É preciso equipes grandes para fiscalizar e desenvolver projetos. Sem isso, a aplicação da legislação fica comprometida. Nosso estado é enorme, e isso exige estrutura.
E quanto ao ecoturismo? É explorado em todo o seu potencial?
Ainda não totalmente, mas começa a deslanchar. Hoje temos um ministro do Turismo paraense, que conhece bem o potencial da região e vem impulsionando o setor. Com Belém sediando a COP30, redes de hotelaria e empresas de turismo voltaram os olhos para cá.
Surge, então, um novo modelo de negócio.
Exatamente. O ecoturismo desponta como mais uma economia ambiental, que une desenvolvimento e conservação.
Falando na COP30, você acredita que o evento trará mudanças significativas para Belém?
Acredito que sim. Em qualquer lugar, a COP traz transformações. Em Belém, já está trazendo. Pode não alcançar todos os públicos, pois o prazo é curto, mas é natural que as obras se concentrem na região central. Infelizmente, a periferia tende a ficar de fora, mas espero que isso seja compreendido como uma questão de tempo e de política pública.
Belém ganha visibilidade internacional.
Sem dúvida. A COP é um marco de desenvolvimento social e de infraestrutura cultural. Que seja apenas o início de algo maior, porque a Amazônia continuará aqui, como centro das discussões sobre mudanças climáticas. Além disso, as estruturas criadas para o evento ficarão agregando valor à cidade.
E podem impulsionar o turismo, principalmente o estrangeiro?
Desde o anúncio da COP em Belém, a procura quase triplicou. Isso já fomenta outras economias — circular, artesanal, ecológica. O impacto é visível.
Então você acredita que o saldo será positivo?
Acredito que sim. A cidade já é destaque na mídia estrangeira.
Mas houve críticas aos preços altos das hospedagens.
Sim. Esperávamos que isso se ajustasse. O povo paraense é acolhedor e generoso. No primeiro momento, alguns viram oportunidade e inflacionaram os preços, mas é importante que prevaleça nossa hospitalidade. Seria ruim para Belém e para o Brasil se isso deixasse má impressão.
Conseguiram reverter essa situação?
Torço para que sim. Que o perfil acolhedor do nosso povo fale mais alto e que a Amazônia receba muito bem seus visitantes. Queremos que esta seja a melhor das 30 COPs já realizadas.
OLHO _____________________________________
“Na infância, a floresta era nossa fonte de alimento. Hoje, é também nossa sala de aula.”
“A Amazônia é o refrigerador e hoje, também o coração do planeta.”
“Queremos que esta seja a melhor das 30 COPs já realizadas. A Amazônia sabe receber.”
(*) Edilma Duarte é jornalista e editora do Portal Baoba

