Velório do Seu Leopoldo - créditos: divulgação
09-11-2025 às 12h32
Solange Mendes*
Um dia, pouco antes da festa de São Geraldo, lá em Curvelo, pra não ser incomodado pela esposa, pediu que ela fosse buscar as passagens na rodoviária para ver o seu jogo em paz. Moravam perto da praça da estação, um pulo até a rodoviária e em menos de uma hora, quando de lá retornou, ele já tinha dormido, dormido?
Não, morrido, morrido da silva e ela como não era acostumada achar marido morto, achou que era gracinha, uma peça, só que depois de sacudir, gritar e dar uma dura, teve certeza ele tinha ido dessa pra melhor. Na hora ligou para a filha, que a buscou, acalentou e a levou para casa. Quando fiquei sabendo fui lá dar um abraço na minha amiga e, vendo a dor das duas, acabei indo para o velório…
Chegamos ao Parque Renascer, ficamos por ali, e a viúva, já calma, aguardava a chegada do corpo que ela tinha visto na hora do acontecido. Aí chegou o corpo. Quando a funerária depositou o caixão e as coroas, fomos todos ver o morto e amparar a viúva que tanto gritava, como se debatia, ameaçou desmaiar umas duas vezes e quem já viu sabe a tristeza que é numa hora dessas. A minha amiga não sabia se chorava ou se segurava a mãe, que quando menos esperava se atracava com o caixão, e eu ali fazendo força pra ajudar a segurar a viúva, ou a amiga se também precisasse, ou o morto.
Depois de vária idas e vindas de desespero ao caixão, ela se aquietou. Achei que tinha dormido um pouco, mero engano, ela só estava pensando na vida, e na vida com o finado …
Lá pras tantas da madruga, ela calmamente se levantou e todos correram para ampará-la e ela firme e forte chegou perto do caixão olhou o marido ali no caixão e começou uma conversa longa de cobranças e acusações.
Seu Leopoldo daquela vez não pode se defender, ela lembrou de todas as puladas de cercas e das raivas que esses chifres a tinham feito sofrer. Olhar aquele homem ali inerte, num bigode bem aparado, num semblante de paz, nunca daria para imaginar as peripécias que fazia com as moças puras e desavisadas que passaram por aquele bico doce.
Seu Leopoldo nos áureos tempos de conquistas, se dizia fazendeiro no Pará, dono de terras e gados, chegava até a inventar sotaque e dizer que era de Portugal e que viera de além-mar pra buscar uma linda rapariga e assim dar mais importância a paixão súbita pela escolhida e desavisada …
E o dia já amanhecendo, depois de ter ouvido ela contar todo tipo de história cabeluda, não acreditei quando, ela apontando para a rampa que sobe para o crematório, com uma mão, e com a outra alisando a mão dele, começou a falar: “amanhã você vai subir por ali, vai encontrar os safados iguais a você, que lá estão há tempos lhe esperando e eu vou ficar aqui só olhando” …
Um mês depois chego a uma festa, na Serraria Souza Pinto, e a vejo toda faceira, de mãos dadas com um sinhozinho, cabelos branquinhos, de cara tranquila e apaixonada. Por coincidência o genro dela apareceu em meio àquele burburinho de gente e quando perguntei pela minha amiga, ele falou que ela tinha ficado em casa pois andava preocupada com a mãe… Não aguentei e mostrei o casal. Ele só acreditou porque viu, e a minha amiga porque ele ligou e lhe falou. Quando soube dessa novidade ela teve a primeira noite em paz.
Ficamos de longe olhando, tomando uma cerveja e comemorando o novo casal, que no final da noite enquanto Gonzagão cantava:
“Eu só quero um amor, que alegre o meu viver, um xodó pra mim, do meu jeito assim” …. ela, toda serelepe, dançava de rosto colado com a nova conquista. Lembrei-me de Seu Leopoldo que lá no Céu devia estar perturbando os anjos, querendo uma explicação, pois o amor e a dedicação dela, que foram com ele para o além, não lhe davam o direito de dançar e ficar tão feliz por aqui…
*Solange Mendes é colunista do Diário de Minas


