
Moda nos anos 70/80, Créditos: Reprodução
09-10-2025 ás 11h25
Giovana Devisate*
Falamos sobre o luxo na semana passada e, com o passar dos dias, me vi pensando no luxo por outras perspectivas, em como coisas luxuosas são bem acabadas, bem feitas, detalhadas. Aquela história do tempo, da valorização do manual, dos processos, da marca e de seus designs, das suas histórias… Já falamos disso outras vezes por aqui.
O aumento dos processos industriais e do encurtamento do tempo no contexto do consumo gerou uma simplificação da forma. Um conjunto de fatores sociais, culturais, econômicos e psicológicos influencia o comportamento de compra da população e, também, o uso de serviços. Durante a história, com o passar dos anos e com o surgimento de crises econômicas, guerras, epidemias e outras questões, a função tornou-se mais importante do que o design do produto.
Às vezes, a forma precede a função. Contudo, há tempo, vemos a função preceder a forma. Cada vez mais simplificamos os processos, tiramos as cores, os ornamentos, os detalhes que enfeitam o que consumimos, os lugares que frequentamos e onde moramos.
Produzir em escala é mais difícil e evidencia desafios grandes. O aumento de cores neutras na produção industrial indica a diminuição de outras, como marrons, vermelhos, amarelos… Aqui, é bom lembrar: a tecnologia nos proporciona substituir a madeira, o metal e outros materiais tradicionais por plástico.
Saímos do ornamentalismo barroco, para o minimalismo contemporâneo que, acredito, tão pouco dialoga com as nossas reais necessidades, enquanto seres humanos. Cores e ornamentos, designs interessantes e especiais tornam-se ainda mais importantes em um mundo tão perverso, tão cheio de notícias avassaladoras, estresses, chateações como o que vivemos.
Um estudo de 2010, publicado na BMC Medical Research Methodology, mostra que cinza é a cor escolhida por pacientes quando o assunto é representar a depressão. O amarelo, por sua vez, é escolhido para representar a alegria.
Apesar de ser um estudo publicado há 15 anos, entendemos que isso realmente faz sentido quando refletimos sobre as cores da natureza. Por exemplo: o cinza não é uma cor tão comum. No dia a dia, ao longo do nosso processo evolutivo, os nossos olhos não tiveram acesso à cor com tanta facilidade. Ao contrário, conseguimos estabelecer uma conexão imediata do amarelo com o sol, com flores e, consequentemente, com saúde.
Casas coloridas passaram a dar lugar a construções cinzas, beges, pretas e outras cores que nada iluminam os nossos dias. Até o McDonalds, que antes era dono de uma identidade forte e única, perdeu a cor e a pomposidade estética que fez parte da nossa infância. Digo, a funcionalidade passou a dominar, a ser o mais importante, passamos a preferir viver em casas que mais se parecem com caixas de sapato, do que com as que marcaram as nossas infâncias.
Me pergunto: o belo passou, ainda mais, a ser associado ao inútil? Não vale a pena o investimento? O belo, ornamentado, passou a ser associado ao universo do luxo? Penso que em um mundo onde cada vez mais pessoas estão depressivas e ansiosas, o prazer de contemplar deveria ser garantido. A gente deveria poder existir em um mundo mais interessante e que nos proporcionasse maior produção de dopamina.
As casas ornamentadas, com coisas na parede, cor nos cômodos, passou a ser chamada de casa de vó, em postagens nas redes sociais. Talvez até seja para a geração mais nova, mas eu prefiro casa com cara de casa do que me sentir como um peixe em um aquário.
Entendo que, por muitos motivos, reduzimos a exuberância. Em um mundo tão depressivo, precisamos da graça dos detalhes do dia a dia, coisas que façam a gente olhar para os lados e menos para os celulares. Precisamos, talvez, até da nostalgia estética, algo que nos remeta ao conforto, com cor, ornamentos e detalhes mais calorosos e humanos.
A beleza “inútil” pode servir como resistência e ser um convite à contemplação, à emoção e à experiência estética. Fica, portanto, um questionamento: é possível viver em um mundo utilitário e ainda se deixar encantar pelos detalhes “inúteis” da beleza?
Lembro de ver fotos da casa da Kim Kardashian, há uns anos. Minimalismo gritante, nada fora do lugar, tudo branco e extremamente calculado. Me bateu um desespero porque, se é na nossa casa que reside o nosso registro diário de vida e memória, de aconchego e conforto, viver em uma casa inteira branca, quase intocável, não conta nenhuma história.
Um estudo da CNN, publicado em 2022, diz que as embalagens estão sendo modificadas, não só em relação à cor, mas em relação à forma e às letras. Marcas de vários segmentos, como comida, saúde, beleza, estão escolhendo simplificar as embalagens, colocando letras mais genéricas e menos características de si mesmas… Hoje, vemos marcas de moda, inclusive de luxo, aderindo ao movimento. A Balmain, a Yves Saint Laurent e a Balenciaga, por exemplo, mudaram a estética de suas marcas.
Existem efeitos neurológicos e biológicos envolvidos nesses fenômenos, nas escolhas que tomamos, mas as cores são carregadas de significados culturais que influenciam as nossas percepções sociais e as nossas emoções.
No meu TCC da faculdade de Design de Moda, estudei as cores em alguns quadros do pintor francês Henri Matisse e, para isso, mergulhei na literatura relacionada à psicologia das cores. Num geral, rápida e grosseiramente falando: tons neutros são associados à serenidade, sobriedade e, às vezes, monotonia; tons quentes, à energia, vitalidade, calor; tons frios, à relaxamento e frescor. Tudo é relativo, mas acho que essas informações são importantes para continuarmos.
O que quero dizer é que, no mundo, uma paleta de cores predominantemente homogênea pode resultar em um ambiente visualmente monótono, previsível, entristecedor e que não conversa com o nosso desejo de vida, de olhar coisas novas, de viver a possibilidade da diversidade.
No pós-pandemia tivemos uma tendência de moda que ficou conhecido como “efeito dopamina” ou “dopamine dressing”, quem lembra? A proposta era o uso de cores intensas, para promover uma sensação de bem-estar e renovar a sensação de vida e alegria pós um longo período de tristeza e perdas.
Não vivi os anos 60 e 70 porque nasci em 1998, mas já vi um milhão de fotos dessas épocas. Uma coisa que me marca é a cor dos carros: fuscas de todas as cores espalhados pelas cidades, iluminam as ruas e dizem: existe vida aqui. Hoje, os carros são brancos, pretos, cinzas, prateados e vermelhos. Dificilmente vemos outras cores… Isso diz: existe vida, mas em uma monotonia sem igual… Não é à toa que buscamos mesmo olhar para o celular o dia inteiro, todos os dias: olhar ao redor está chato demais.
(*) Giovana Devisate é historiadora da arte e designer de moda