Créditos: MILIANO CONSTENLA/ATO PRESS/ESTADÃO
17-09-2025 às 18h10
Caio Brandão*
Na semana passada, o professor e economista Ivan Paixão, segundo o jornal virtual Metrópoles, atual fenômeno da mídia digital, “foi demitido de uma consultoria que presta para a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), estatal do governo de São Paulo, após gritar “sem anistia” ao governador Tarcísio de Freitas.”
Segundo o jornal, “a manifestação ocorreu enquanto Tarcísio seguia a pé com sua comitiva para a Bolsa de Valores, no centro da capital, na manhã do dia 05 de setembro, quando seria realizado o leilão do lote Paranapanema de rodovias”.
Segundo o relato de Ivan, diz o jornal, “ele estaria tomando café com uma colega de trabalho em um restaurante próximo do prédio da CDHU, onde atua como consultor, quando viu o governador passando”.
Para encurtar a história, o moço, que não estava uniformizado e não portava crachá da estatal, além de estar fora do horário de trabalho, teria gritado duas vezes “sem anistia”, motivo pelo qual, ao retornar à Companhia, foi demitido, mediante “ordens superiores”, como teria sido informado.
A situação é bizarra, porque estando o governador Tarcísio empenhado na anistia em favor dos manifestantes que invadiram e vandalizaram as instalações do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, inclusive defecando em alguns recintos, locais de trabalho dos ministros da Suprema Corte, a demissão do moço Ivan, insurgente de ocasião e moderado, cuja manifestação sequer se aproximou de um apupo, não cai bem ao calouro governante.
Conviver com os contrários é sinônimo de maturidade política, de preparo para a vida pública, com tolerância para os atos aceitáveis, e o repúdio aos exageros e ilegalidades, mas, sempre na forma dos direitos e deveres dos cidadãos, mediante a observância dos preceitos legais e das “quatro linhas” da Constituição Federal.
Maquiavel, o queridinho dos políticos, em face das suas proféticas e memoráveis previsões, trouxe, em sua obra “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”, argumentos poderosos sobre o conflito e as divergências entre as classes sociais, argumentando que divergências entre os poderosos e o povo “não são negativas, pelo contrário, o conflito pode ser a fonte de boas leis e da própria liberdade”. E, diz ainda, Maquiavel, que “o comportamento do político, nesse caso, não seria o de suprimir a divergência, mas de mediá-la e canalizá-la para que resulte em um sistema político mais justo e mais estável”.
Mas, como nem tudo são flores, Adolf Hitler, na vigência do Terceiro Reich, não admitia nenhuma crítica ao regime nazista, cujas manifestações em seu desfavor eram consideradas como traição e severamente punidas, inclusive com perseguição implacável a jornalistas e políticos.
Na China sob a liderança de Mao, a Revolução Cultural perseguiu opositores em todas as camadas sociais, fossem cidadãos comuns, artistas e intelectuais, que se aventurassem a se expressar, de qualquer forma, contra a ideologia do partido e dos seus representantes. Desnecessário buscar, em fatos pretéritos recentes, no Brasil, inúmeros atos perpetrados pelo regime instalado no país na década de 60, e que até hoje repercutem em consequências, várias delas trágicas e imperdoáveis.
Em que pese a sua origem militar e, principalmente, a do seu mentor, este sob o crivo dos rigores de consequências advindas de suas próprias escolhas, Tarcísio aparenta espírito conciliador, apesar de carecer de discurso mais adequado do ponto de vista de oportunidade e de equilíbrio.
Não faltam, na história, desde os mais remotos registros da civilização, exemplos de totalitarismo, de ações perversas e sinistras praticadas em nome de ideologias, mormente usadas como pretexto para encobrir interesses de grupos, quer de natureza pecuniária, religiosa, e outras tantas maquinações.
Contudo, mercê da lembrança de Juscelino Kubitschek, que encarava as manifestações da antiga UDN, contra o seu governo, como parte do jogo democrático, Tarcísio também pode se inspirar em Hannah Arendt, uma das mais influentes pensadoras do século XX.
De origem alemã, teve a vida marcada pelo nazismo, indo se refugiar nos Estados Unidos, onde pode exercer o livre-pensar e produzir a notável obra “Eichmann em Jerusalém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal”, editada em 1963. Nessa obra, Arendt discorreu sobre o julgamento de Adolf Eichmann, oficial nazista tido como o idealizador dos procedimentos do Holocausto.
Surpreendentemente, ela não retratou o oficial nazista como um monstro e doente mental, mas apenas como um cidadão comum, um burocrata medíocre, quando cunhou o conceito de “banalidade do mal”, que se traduz como o mal sendo cometido por pessoas comuns e “normais”, que apenas deixam de pensar e de tirar conclusões, para apenas seguir ordens e ímpetos inconsequentes.
Então, meu caro governador Tarcísio, acreditar que esteja o aspirante a presidente do nosso Brasil por detrás da demissão do economista Ivan, é difícil de aceitar.
O gesto é pequeno, mesquinho, que deveria ensejar não a demissão do manifestante comedido e amparado pelos seus direitos à contradição, mas, sim, a demissão de quem o exonerou, por ter perpetrado ato abusivo, e sem apoio sequer no Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo, por analogia, haja vista o demitido ser apenas um eventual prestador de serviços.
Os políticos, é o que acontece, têm no seu entorno entourage que abraça a figura central, composta de assessores, seguranças, parentes, amigos, interessados em geral, todos dela dependentes, até maquiadores, fonoaudiólogos e tarólogos. Esse cerco costuma ser um desastre, cabendo ao político o descarte das contribuições inúteis e o reparo de atos de seus subordinados, que estiverem em desacordo com as suas convicções e conveniências.
Moral da história: considere, meu caro governador Tarcísio, recontratar o seu discordante, ainda que como mero exercício de democracia e respeito a opinião divergente.
*Caio Brandão é jornalista

