
Comissão de Constituição e Justiça da ALMG - créditos: divulgação
17-09-2025 às 08h38
Samuel Arruda*
A proposta de privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), atualmente em tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), vai muito além de uma simples manobra fiscal. Trata-se de uma decisão que impacta diretamente o cotidiano de milhões de mineiros e levanta uma série de questionamentos éticos, sociais e políticos que não podem ser ignorados.
No centro da polêmica está a PEC 24/23, que pretende retirar da Constituição estadual a exigência de referendo popular para a venda de estatais como a Copasa. Em outras palavras, o governo de Minas quer abrir mão da consulta à população sobre o destino de uma empresa pública que cuida de um direito fundamental: o acesso à água e ao saneamento básico. É inadmissível que uma mudança tão profunda na estrutura do serviço público seja feita sem ouvir quem mais será afetado por ela — a população.
O argumento de que a privatização é necessária para aliviar a crise fiscal do Estado, através do Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag), pode até parecer racional à primeira vista. No entanto, essa lógica de “vender para pagar dívida” ignora o caráter estratégico da Copasa e os riscos de se entregar à iniciativa privada um serviço essencial à vida. Água não é mercadoria. Água é um direito.
A retirada do referendo, além de ser um grave atentado à democracia participativa, levanta suspeitas sobre a real intenção do governo. Se a privatização fosse, de fato, tão benéfica à população, por que temer a consulta popular? Por que evitar o debate amplo com a sociedade? A pressa em aprovar a PEC e o esforço em vincular os recursos ao Propag sugerem mais uma operação financeira do que uma política pública planejada.
E os riscos não param por aí. O histórico das privatizações no Brasil mostra que a transferência de empresas públicas para o setor privado raramente resulta na prometida melhora de serviços. Ao contrário: tarifas costumam subir, o atendimento piora e regiões menos lucrativas ficam desassistidas. No caso da Copasa, que atende muitos municípios pequenos e com pouca atratividade comercial, o risco de abandono é real.
Além disso, não há garantias claras sobre como será feita a regulação dos preços, a manutenção da universalização dos serviços e a proteção dos empregos hoje gerados pela estatal. Como assegurar que os recursos da venda serão mesmo usados no Propag e não desviados para outros fins? Onde está a transparência nesse processo?
É preciso reconhecer que o Estado de Minas enfrenta sérias dificuldades financeiras. Mas entregar um patrimônio estratégico como a Copasa para tentar tapar buracos no orçamento é uma solução imediatista, que ignora as consequências de longo prazo. A sustentabilidade fiscal não pode ser construída às custas dos direitos mais básicos da população, como o acesso à água potável.
Por fim, eliminar a participação popular de uma decisão tão relevante é um retrocesso democrático. O referendo não é um obstáculo — é um instrumento legítimo de soberania popular. Se a Copasa vai ou não ser privatizada, essa é uma decisão que deve passar pelas urnas, não apenas pelas mãos de 77 deputados.
Privatizar a Copasa não é só uma escolha econômica — é uma escolha política, social e ética. E, diante dos riscos que ela representa, o mínimo que se espera é que o povo mineiro tenha o direito de dizer sim ou não. Calar essa voz é, no fundo, negar que a água pertence a todos.
*Samuel Arruda é jornalista