
7ª Conferência Mundial de Psiquiatria Cultural (WACP) em Tóquio - créditos: Arquivo pessoal
14-09-2025 às 09h00
Marco de Noronha (*)
Venho participando de congressos científicos desde antes de me formar em Medicina. Após especializar-me em etnopsiquiatria na França, tornei essa participação sistemática e comecei a publicar em periódicos como a Revista da Associação Brasileira de Psiquiatria e o Jornal Brasileiro de Psiquiatria (Instituto de Psiquiatria – UFRJ), este com mais de 70 anos de história. Uma avaliação bibliométrica me reconhece como um dos pioneiros em etnopsiquiatria e psiquiatria social nestas revistas.
Neste mês, a jornada científica e cultural aponta para o Oriente: participarei da 7ª Conferência Mundial de Psiquiatria Cultural (WACP), em Tóquio, de 25 a 28 de setembro. No congresso anterior, realizado em Roterdã, constatei—durante um workshop que conduzi—não apenas a ausência de delegados chineses por restrições pandêmicas, mas também a apreensão dos europeus frente ao risco de falta de gás, motivado pelo conflito entre Rússia e Ucrânia.
Em meus programas no canal @TerapiaSocial (YouTube), sempre destaco a Associação Mundial de Psiquiatria Cultural, da qual sou fundador, junto à seção brasileira homônima. Nosso objetivo é demonstrar como a cultura influencia o comportamento humano e a etiologia das doenças mentais, incorporando esse conhecimento em práticas psicoterápicas. Para avançar, precisamos:
- estimular escolas e organizações a reconhecer a dimensão sociocultural da saúde mental;
- fomentar pesquisas e publicações sobre etnopsiquiatria;
- capacitar profissionais para terapias que considerem crenças e tradições locais.
- Ou seja, considerar os aspectos socioculturais e sua influência na etiologia e tratamento das doenças mentais deve ser ampla, desde a formação de profissionais, informação a sociedade e no aperfeiçoamento de procedimentos sobre a doença mental, além de todas as medidas possíveis de prevenção.
A Associação Mundial de Psiquiatria Cultural foi criada em 2006 sob a liderança de Wen-Shing Tseng (Universidade do Havaí) e Goffredo Bartocci (Roma). Tseng, primeiro presidente, havia presidido a Sessão de Psiquiatria Transcultural da Associação Mundial de Psiquiatria quando, incentivados pelo professor Jilek (Canadá), fundamos a seção brasileira. Os dois primeiros congressos ocorreram em Pequim (2006) e Norcia (Itália), ambos documentados por mim.
Para esta coluna, detalho meus preparativos para a 7ª Conferência e relato, ao longo de três continentes (Oriente Médio, Ásia e Europa), as curiosidades culturais que capturar. Meu roteiro:
- Voo ao Japão, com escala no Oriente Médio, passando por Dubai, para suavizar o desconforto de um longo trajeto num vôo direto;
- Estadia em Tóquio, onde será a Conferência e visita a região de Quioto, antiga capital japonesa;
- Retorno ao Brasil via Barcelona, na Europa.
No canal Psiquiatria Sem Fronteiras, pretendo gravar episódios sobre as inspirações culturais que encontrar. Já produzi quatro programas sobre o Japão para a TV aberta, destacando aspectos da cultura nipônica.
Minhas conferências no evento serão:
- Conceito de morte entre etnias brasileiras, com foco nos suicídios dramáticos entre os Guarani Kaiowá (MS);
- Espiritualidade, neurociência e psiquiatria, à luz de pesquisas recentes com médiuns e curandeiros;
- Polarização, em workshop conjunto com o psiquiatra canadense Vincenzo Di Nicola, tema do meu próximo livro.
Como o Brasil acolhe inúmeras etnias, sinto-me privilegiado para compará-las entre si e com a sociedade moderna, reconhecendo a cultura como forte moduladora do comportamento. Destacarei:
- Suicídios voluntários no mundo versus índices dentre os Kaiowá (600/100 000 habitantes), onde muitos jovens recorrem ao enforcamento.
- A taxa geral de suicídio no Brasil ( 5/100 000 habitantes) e entre indígenas (1,5/100 000 habitantes) permanece baixa, mas os Kaiowá superam largamente esses patamares.
- A dinâmica sociocultural indígena, influenciada pela interação com a sociedade moderna, parece catalisar essa crise.
Estudos internacionais corroboram a dimensão cultural do suicídio: na província rural de Hunan (China), as taxas rurais alcançam 88,3/100 000 habitantes, contra 24,4/100 000 habitantes nas áreas urbanas. No Brasil, disparidades regionais—com o Sul refletindo padrões europeus e uma média nacional menor—confirmam influências análogas. Santa Catarina, onde vivo, compete com o Rio Grande do Sul neste drama de mortes voluntárias.
Na cosmologia Guarani, a terra (tekoha) é dom divino e fundamento social; busca-se a yvy mara êy (“Terra Sem Mal”), reino de abundância e paz. A espiritualidade animista guarani, próxima de tradições africanas, valoriza silêncio e paciência (kiriri). Ainda assim, a desintegração social e a perda de coesão cultural desencadeiam ondas de suicídio, como ocorreu também entre os nahuas do México, para mais um exemplo. Refletir sobre a morte em diversas culturas pode iluminar nossos impulsos mais dramáticos.
(*) Marcos de Noronha é Titulado pela Associação Brasileira de Psiquiatria e Conselho Federal de Medicina, Psicoterapeuta e Psicodramatista reconhecido pela Federação Brasileira de Psicodrama.