
Pintura de Dom Pedro II - créditos: divulgação
03-08-2025 às 10h10
Sérgio Augusto Vicente
A Fundação Museu Mariano Procópio (Juiz de Fora – MG) e o Diário de Minas firmam parceria para comemorar os 200 anos de nascimento do segundo imperador brasileiro. Uma coluna dominical acaba de ser criada para publicar, entre agosto e dezembro, artigos de pesquisadores que se debruçaram sobre o acervo do museu juiz-forano – o maior de Minas Gerais e o segundo do Brasil em acervo imperial – com o objetivo de conhecer diferentes facetas, experiências e representações desse estadista.

Em 2 de dezembro de 2025, completam-se duzentos anos de nascimento de D. Pedro II (1825-1891). Na Fundação Museu Mariano Procópio (Mapro), existe um amplo, relevante e diversificado acervo referente a esse personagem histórico, o que justifica a integração da instituição às ações comemorativas organizadas em âmbito nacional. Foi pensando nisso que consideramos oportuna a criação, no Diário de Minas, de uma coluna dominical especificamente dedicada ao tema. A escolha do jornal não é fortuita, tendo em vista o seu notável papel desempenhado na divulgação de diversos equipamentos culturais do Estado de Minas Gerais e, em especial, o Museu Mariano Procópio.
A cada domingo, entre os meses de agosto e dezembro, o DM publicará artigos de pesquisadores que já se debruçaram, a partir do contato com o acervo dessa instituição museal, sobre temas atinentes à trajetória do segundo imperador brasileiro. Tudo isso sem perder o foco sobre a indagação crítica e reflexiva dos objetos do acervo, em consonância com a produção historiográfica empreendida nas últimas décadas.
Muitas curiosidades históricas serão apresentadas acerca desse personagem oitocentista, imerso nos inúmeros dilemas e desafios de um Estado-nação em construção e às voltas com as instabilidades políticas. Como podemos refletir sobre a sua trajetória de vida a partir dos objetos, documentos e publicações existentes no acervo do Museu Mariano Procópio? O que podemos encontrar por lá? Como foi a educação recebida por D. Pedro II na infância? De que maneira foi preparado para assumir a direção do país aos 14 anos de idade? Como construiu a sua imagem? De que forma tentou legitimar seu papel de chefe de Estado? Como tentou representar o país e implementar um projeto de construção e fortalecimento da identidade nacional? Em quais ocasiões e por quais motivos visitou Juiz de Fora? Que impactos a sua imagem sofreu com a crise do regime monárquico? Quais eram as principais críticas veiculadas sobre ele? Que circunstâncias levaram ao seu destronamento? Como foi a sua experiência no exílio, logo após o golpe civil-militar que proclamou a República no Brasil? O que foi feito com os seus objetos e os da família imperial após seu exílio e morte?
Muitas são as perguntas. Ao longo dos próximos domingos, teremos a oportunidade de refletir sobre elas, através de artigos de autoria de Lilia Moritz Schwarcz, Carlos Lima Júnior, Fátima Argon, Leandro Garcia, Maraliz Christo, dentre outros nomes que se dedicam a respondê-las, direta ou indiretamente, tomando por base suas experiências investigativas com o acervo da Mapro. Tudo isso sem desconsiderar, quando necessário, o diálogo com os acervos de outras instituições de memória brasileiras, como o Museu Imperial de Petrópolis (RJ), por exemplo.
Ana Maria Werneck (diretora da Mapro) e os historiadores Priscila da Costa Pinheiro Boscato, Rosane Carmanini Ferraz e Sérgio Augusto Vicente são os idealizadores e organizadores dessa coluna. A iniciativa reflete os esforços de uma equipe comprometida em manter esse patrimônio “vivo” através da produção de conhecimentos, impulsionando a divulgação de um acervo de relevância nacional e internacional e tornando ainda mais densa e articulada a rede de pesquisadores que têm esse equipamento cultural como ponto de convergência. Nesse quesito, é inquestionável o importante papel desempenhado pela historiadora e antropóloga da USP, Lília Schwarcz, que, por ocasião da pesquisa e escrita do famoso livro “As Barbas do Imperador”, tomou conhecimento da importância dos objetos, livros e documentos custodiados pelo museu juiz-forano e lhes conferiu maior visibilidade entre públicos acadêmicos e não especializados.
Tais objetos foram, pelo menos em sua maioria, amealhados por Alfredo Ferreira Lage, que tinha para o seu museu um projeto de memória bastante explícito: perpetuar e enaltecer, por meio da guarda e exposição desses objetos, as memórias oficiais da monarquia brasileira e de muitos titulares do Império. Oficialmente inaugurado em 1921 e doado ao município de Juiz de Fora em 1936, o Museu Mariano Procópio se constitui de um parque e duas edificações históricas: o Castelinho ou Villa, residência em estilo neorrenascentista italiano construída para hospedar D. Pedro II e os imperiais por ocasião da inauguração da Estrada de Rodagem União e Indústria, em 1861; e o prédio anexo, inaugurado em 1922 para melhor abrigar as coleções.
Imbuído do projeto de perpetuação da memória monárquica brasileira em um contexto pós-Proclamação da República (1889), em que D. Pedro II e sua família foram exilados por força de um decreto de banimento do novo regime e tiveram seus pertences dispersos em leilões, Alfredo fez parte do grupo de brasileiros que se empenhou em adquiri-los. Para tanto, lançou mão de uma bem estruturada rede de sociabilidades, que lhe rendeu prestígio em instituições como o tradicional Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, inaugurado em 1838. Conhecida pela assídua presença e pelos incentivos recebidos de D. Pedro II desde a mais tenra idade, essa agremiação também se tornou um dos mais representativos espaços de sociabilidade de Alfredo Lage – que, em 1923, nela assumiu os postos de sócio honorário e sócio correspondente, com o apoio de Afonso Celso e Max Fleiüss.
Esse momento (década de 1920) ficou marcado por representativos acontecimentos na história nacional, a começar pelas comemorações oficiais do primeiro centenário da Independência do Brasil, em que a recém-implantada República precisava acertar as contas com o passado monárquico brasileiro. Alfredo Lage, visivelmente investido de uma postura conciliadora, buscava na articulação com as autoridades republicanas uma forma de alcançar êxito com o seu projeto memorialístico. Dessa forma, adquiriu os emblemáticos objetos que tornaram o Museu Mariano Procópio a segunda maior instituição museológica do Brasil e a maior do estado de Minas Gerais em acervo imperial.
O fundador inaugurava a instituição no mesmo ano em que celebrava os cem anos de nascimento de seu pai (Mariano Procópio). Também optou por inaugurar o prédio anexo no ano em que o país completava cem anos de independência política. Dessa forma, buscava alinhar as memórias de sua família e as de seus empreendimentos pessoais a um movimento nacional de reabilitação da memória da monarquia, na qual D. Pedro II – que completava cem anos de nascimento em 1925 – era exaltado por monarquistas e republicanos como “mecenas das letras, das artes e da ciência”.
Idealizado como símbolo capaz de amalgamar diferentes grupos políticos na busca por um passado comum para o Brasil, D. Pedro II jamais deixou de ser evocado como “mito” ao longo do século XX. Interpretar e analisar a sua história através dos objetos, de forma crítica e reflexiva, não deixa de ser um grande desafio. Nesse ano em que se comemoram duzentos anos de seu nascimento, o objetivo é desvendar o personagem histórico, com suas complexidades, contradições e ambivalências, sem perder de vista o processo de construção de sua persona pública, simbólica, como chefe de Estado.
Não percam a oportunidade de acompanhar as publicações da nossa coluna nos próximos domingos!

A Estrada União e Indústria, construída utilizando a técnica de pavimentação conhecida como macadame, interligava Petrópolis a Juiz de Fora, com o objetivo de encurtar para 12 h o transporte de mercadorias e passageiros. O projeto, idealizado por Mariano Procópio Ferreira Lage, contou com o aval de D. Pedro II. Do lado esquerdo da imagem, temos um trecho do mapa dessa estrada, bem como uma fotografia de Klumb retratando o Palácio Imperial de Petrópolis (atual Museu Imperial), onde se encontra uma placa informando que de lá partiu D. Pedro II, em 23 de junho de 1861, rumo à chácara dos Lage, em Juiz de Fora, para inaugurar a referida estrada. Do lado direito, de autoria do mesmo fotógrafo, temos uma foto do Castelinho (ou Villa) e de seu entorno. Logo abaixo, observa-se outra placa de mármore, fixada no corredor dessa edificação, informando que o segundo imperador brasileiro e sua família ali chegaram a se hospedar. Ambas edificações (o Palácio Imperial, em Petrópolis, atual Museu Imperial; e o Castelinho, em Juiz de Fora, atual Museu Mariano Procópio) são, simbólica e estruturalmente, interligados pela Estrada União e Indústria. Não é fortuito que alguns especialistas defendam a criação de um “museu de percurso” ao longo desse caminho.
