150 anos após, Santos Dumont está esquecido, não pelo DM, que prestou homenagem a ele
Santos Dumont sofreu influência de Júlio Verne, leu e releu “Cinco semanas em Balão” e “Robur, o Conquistador”. Impressionou-se com “André au Pôle Nord em Ballon’, de Lachambre e Machuron.
10-08-2023 – 08h43
Manoel Hygino dos Santos*
Gente também tem seu sesquicentenário. Os 150 anos de nascimento de Santos Dumont (Alberto o primeiro nome), não foi comemorado em 2023, com a importância devida. Vi apenas uma referência em noticiário de televisão.
Mas Minas Gerais tem honrado Santos Dumont, tanto que deu seu nome ao progressista município natal na Zona da Mata, conforme decreto-lei nº 10.447, de 31 de julho de 1.932. Antes, era o distrito de São Miguel e Almas do João Gomes, desmembrado de Paraibuna, atual Juiz de Fora, antes Palmira.
Em Belo Horizonte, no tempo em que o engenheiro Celso Mello de Azevedo foi prefeito, ele mandou construir a Praça Bagatelle, junto ao aeroporto da Pampulha. No Campo de Bagatelle, em 13 de novembro de 1906, Santos Dumont voou com o avião “14bis”, percorrendo 220 metros, a 6 de altura, com uma velocidade de 37Km/h e ganhando o prêmio do Aeroclube de Paris, ao bater todos os recordes.
No Rio de Janeiro, a cidade homenageou o Pai da Aviação, dando-lhe o nome ao belo aeroporto bem no centro da cidade e à beira-mar. Que saudade! Na capital mineira, uma das suas principais avenidas – a do Comércio – passou a Santos Dumont.
Alberto nasceu em 20 de julho de 1873, numa fazenda chamada Cabangu. Aprendeu a ler com a irmã Virginia, estudou no Colégio Culto à Ciência, em Campinas, aos 7 e 8 anos, indo para São Paulo frequentar o Kopke e o Morton, matriculando-se na Escola de Minas de Ouro Preto. Logo, estava em Paris, após receber conselho do pai: “Procure um especialista em Física, Química, Mecânica, Eletricidade e estude estas matérias. O futuro do mundo está na Mecânica”. Passou, ainda, pela Universidade de Bristol, na Inglaterra.
PLANOS E IDEIAS
Sofreu influência de Júlio Verne, leu e releu “Cinco semanas em Balão” e “Robur, o Conquistador”. Impressionou-se com “André au Pôle Nord em Ballon’, de Lachambre e Machuron. Influenciado pelas ideias e experiências dos três, tentou um primeiro vôo em 1897. Escreveu, então, “Dans L’Air”, que no Brasil recebeu o título de “Meus balões”.
Escrevia bastante e queria vencer o espaço. Em 1901, contornou a Torre Eiffel. Apolítico e desprendido de qualquer interesse financeiro, formou um belo círculo de amizades na capital francesa. No seu hangar em Saint-Cloud, recebia a fina flor intelectual e política, como a princesa Isabel e o Conde D’Eu, já no exílio. Isabel o elogiou: “-Suas evoluções aéreas fazem-me recordar o voo dos pássaros no Brasil. Oxalá possa o senhor tirar de seu propulsor o partido que aqueles tiram das próprias asas e triunfar, para glória da nossa querida pátria”.
Cansado de ser manchete, parou de voar em 1910, deixando os céus de Paris para escrever artigos para jornais dos EUA e França. Viajou pelo mundo, escreveu o terceiro livro, que já revelava sintomas de conturbação mental, não permitindo sua edição. Contava: “Realizei minhas experiências em Paris, diante de seu povo e de sua imprensa, que as testemunharam. Recebi do Aeroclub da França, como pioneiro da aeronáutica, a homenagem do monumento de Saint-Cloud e da placa comemorativa de Bagatelle, homenagens consagradas oficialmente pelo governo francês com a fita da Legião de Honra, e sinto-me constrangido em falar de mim mesmo, a fim de defender estes testemunhos e esta consagração”.
Recebida a notícia de sua candidatura à Academia Brasileira de Letras, na vaga de Graça Aranha, não aceitou a distinção, pois o telegrama não chegou ao destinatário. Eleito, a despeito de tudo, em 4 de junho de 1931, não tomou posse, já prostrado.
SUCESSOS E DESENCANTO
Em 13 de outubro de 1901, contornou a Torre Eiffel e voltou a Saint Cloud em 30 minutos, ganhando o Prêmio Deutsch, no valor de 125 mil francos. Dividiu-o em três partes: uma para seus mecânicos, as outras duas aos pobres de Paris, por intermédio das autoridades policiais. Não registrou sequer um só dos seus inventos, entregando-os ao domínio público.
A vida continuava de amarguras para o inventor. Na penúltima viagem no Cap-Arcona, viajando em seu convés, viu o hidroavião “Santos Dumont”, na baia de Guanabara, cair no mar, causando a morte de figuras relevantes do jornalismo e da literatura brasileira.
Mergulhado em desespero, internado num sanatório dos Pireneus, soube do desastre com o dirigível inglês “R.101” em Beauvais, tido como uma das maiores catástrofes da época. Então, ele tentou o suicídio.
Em 23 de abril de 1932, o envelhecido cidadão da antiga Palmira, consagrado internacionalmente, teve uma morte trágica, contada pelo jornalista Edmar Morel, que se hospedou no Hotel La Plage, o mesmo que recebera Santos Dumont, em Guarujá. A arrumadeira foi inquirida e respondeu:
- Era um homem muito triste, coitado. Suicidou-se. Fazia pena ver aquele corpo mirrado, pendurado na claraboia.
O médico-legista Roberto Catunda assinou o atestado de “morte natural”. O repórter ouviu o delegado, que era Raimundo de Menezes, o escritor já conceituado, que lhe mandou a versão oficial-final:
“Uma noite, recebi a informação, vinda de Guarujá, de que o grande inventor fora encontrado morto no banheiro. Organizei a caravana e para lá seguimos. No Hotel La Plage, o mais elegante daquela praia, tivemos que arrombar a porta do banheiro, por cuja claraboia se avistava o corpo pendurado numa gravata ou num cordão de roupão. Magríssimo, era ele um feixe de ossos, ... Aproveitando um instante de descuido (do acompanhante), realizou o seu intento: enforcou-se... Não houve inquérito policial. Tratava-se de uma glória nacional”.
Encerro esta descomungada anotação: Dumont sofria de esclerose múltipla, como revelado pelo médico Bevan Jones, em Londres. No seu sesquicentenário, a Embraer anunciou a produção no Brasil do primeiro automóvel aéreo, dentro de dois anos.
O corpo está sepultado no Cemitério de São João Batista, depositado num grande ícaro, longe do mausoléu dos imortais.
* Da Academia Mineira de Letras e da Associação Nacional de Escritores.