“Minha luta contra o câncer”, livro da escritora Glorinha Mameluque aborda o tema
A ressonância nuclear magnética chegou a Belo Horizonte em 1993. Desde há muito, tudo mudou, já que uma boa imagem é primordial para o diagnóstico precoce.
27-02-2023
18h:37
Mara Narciso*
Quando me formei em medicina em dezembro de 1979 pouco se falava na palavra câncer. Em relatórios médicos e resultados de exames havia algo cifrado: Ca ou neoplasia, para escamotear a verdade, ocultando-a de quem estava doente. A censura acontecia devido ao pavor à enfermidade e quando a ela se referia se dizia “aquela doença”. Justifica-se pelo fato de os diagnósticos serem feitos na fase avançada e pela falta de tratamento eficaz. O ultrassom de então era de baixa resolução, e a tomografia era recente em São Paulo. A ressonância nuclear magnética chegou a Belo Horizonte em 1993. Desde há muito, tudo mudou, já que uma boa imagem é primordial para o diagnóstico precoce.
Há um ano ganhei o livro “Minha luta contra o câncer” da escritora Glorinha Mameluque. Escreveu este livro cheio de fotos para se auxiliar no combate à doença, dar vazão ao seu medo, conversar consigo mesma, usando a palavra como escudo, já que a escrita, sendo seu elemento, é como ela se comunica melhor.
A autora fala da sua verdade à maneira de um diário e assim vai soltando pétalas de rosa entremeadas de espinhos para contar sobre a descoberta da doença através do autoexame, quando percebeu um endurecimento no seio e as ações subsequentes.
Ainda que algumas etapas tenham demorado em vista da não automaticidade das autorizações do convênio médico, tudo se deu de forma relativamente rápida desde o descobrir, dar o diagnóstico, ser operada, fazer radioterapia, quimioterapia e hormonioterapia.
As estratégias usadas por Glorinha foram: aceitação, fé, oração, presenças, carinho e mimos da família; conhecer mais sobre o mal que a acometia, e para isso procurou se informar – boa arma, porque o desconhecido ameaça com maior força; estar perto da equipe médica, que foi humana e amiga; ficar ocupada e manter sua rotina – na época era presidente da Academia Montes-clarense de Letras, e abastecer-se de bons pensamentos.
Esse foi o 25º livro da autora que fez três cursos superiores: enfermagem, direito e psicologia. Nascida em 27 de abril de 1938, causa admiração pela sua atuação nas academias das quais somos colegas.
Diz ter tido poucos efeitos colaterais das medicações infundidas, destacando a perda dos cabelos e duas crises hipertensivas após sessão de quimioterapia. Nessa ladainha se mantém bastante contida.
Cuidadosa com sua escrita, tem imensa simplicidade e marcante informalidade. Escreve no ritmo do pensamento, livre e solta, com correção, porém sem preocupação com apuros técnico e estético.
Acerta em suas escolhas, porque a leitura serve com exatidão a uma conversa entre amigas, podendo ser vencida em poucas horas.
Faz citações tão certeiras quanto a marcação na pele de onde exatamente a radioterapia deveria atuar, ou seja, adaptam-se plenamente à situação. Ágil na contação da sua saga, debulha o terço e as lágrimas presumidas, sem verbalização de choro.
Fala em expectativa de cura e recaídas alheias além dos conselhos recebidos por quem sabe do tormento pelo qual está passando. Leu um autor que condenou o uso da terminologia luta, guerra e batalha, no entanto não abre mão de usá-la.
Ao final do livro sabe-se que a obra foi útil e precisa nas suas atribuições e alcances. Tratamento comprido - programados cinco anos de remédio inibidor hormonal -, e missão cumprida, líquida e certa, pois o recado foi dado.
Especialista em psicologia oncológica e tratamento paliativo, Glorinha Mameluque destaca que tal fase do tratamento não significa parar de viver, e sim parar de sofrer. Seu relato é uma ilha de paz e confiança para quem precisa do carinho em palavras. Consegue consolar a si e aos outros. Altruísta, não se economiza: doa-se por inteiro, para tornar natural um tratamento torturante, trazendo o verbo vencer para o mundo real.
*Médica, jornalista e escritora, de Montes Claros